SCHOPENHAUER: O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO
”Nenhum objeto sem
sujeito”, diz Schopenhauer, na frase que resume seu idealismo e que para ele
torna todo o materialismo impossível. Schopenhauer é o melhor escritor entre os
filósofos (com a exceção de Platão), e suas ideias são claras e relativamente
fáceis de se entender.
Em o mundo como vontade e
representação temos a origem do nosso sofrimento: a desproporção entre o que
por nós é exigido e aquilo que nos é dado. Schopenhauer mostra um otimismo prático
nos dizendo que podemos evitar muita dor empregando nossos talentos e dons
naturais onde eles são mais necessários.
Para o filósofo, a
História nos mostra a Ideia do Homem, mas não o Homem em e por si mesmo. Ele
nega que o tempo crie algo realmente novo e que o fim da História seria o
aperfeiçoamento supremo do ser humano. Com isso Schopenhauer descarta todas as
utopias como o nazismo, que tanto sangue derramaram em busca de um suposto
aperfeiçoamento do Homem.
Para Schopenhauer, a visão
que temos do universo, do mundo, dos séculos passados e vindouros, faz o homem
se sentir reduzido a nada, mas quando nós tomamos consciência de que todos
esses mundos existem apenas na nossa representação, passamos a perceber que a
grandeza do mundo repousa em nós, pois a nossa dependência do mundo é suprimida
por sua dependência de nós.
O tratamento que ele dá ao
suicídio é o mais humano entre os filósofos. Schopenhauer condena o ato, pois
para ele o sofrimento é um meio para a supressão da vontade de vida e o
conhecimento despertado para a verdadeira essência do mundo- que é o
sofrimento- redime a pessoa para sempre.
A importância que
Schopenhauer dá à sexualidade e ao tratamento dos animais são enormes avanços.
***
Schopenhauer é um
idealista, por isso, em sua opinião, os objetos do mundo exterior só existem em
nossa mente, pois fora dela eles simplesmente desapareceriam. Essa filosofia
idealista de Schopenhauer já havia sido refutada muitos séculos atrás por Santo
Agostinho em seu Solilóquios. O argumento de Santo Agostinho é simples: o fundo
do mar não pode ser visto, logo ele não existe?
Na verdade, Schopenahuer
era uma pessoa extremamente pessimista sobre a existência da matéria, a criação
do mundo e a política. Ele era adepto da gnose hindu, que é irracional, e
tentou introduzir elementos orientais na filosofia ocidental. Eu falo sobre a
metafísica de Schopenhauer, mas ela não é transcendente como a de São Tomás de
Aquino ou Santo Agostinho, ou seja, não parte de Deus, mas é imanente, partindo
do homem. Sua Metafísica propõe que o que vemos é apenas uma aparência das coisas
que estão obscurecidas pelo véu de maia (filosofia Hindu). O que é importante é
o homem ver e valorizar a Ideia, o que pode ser feito a partir da contemplação
artística, seja em uma pintura ou ouvindo música.
O filósofo alemão era
contra o socialismo e defendia uma monarquia baseada na República de Platão,
com a diferença que Schopenhauer valorizava muito a poesia, ao contrário de
Platão. Nada mais abominável para Schopenhauer do que uma filosofia como a de
Hegel, que era feita a favor do Estado e paga por esse mesmo Estado.
A questão do suicídio para
Schopenhauer é muito menos cercada de tabus do que para o Cristianismo. O
suicida, para ele, quer viver, apenas se desesperando porque o mundo não é a
mesma coisa que imaginada na mente dessa pessoa. O que o filósofo propõe?
Simples: que o suicídio é uma tentativa inválida de nos livrarmos do sofrimento
nesse mundo, porque o próprio mundo é sofrimento, e o que devemos fazer é
anular a nossa vontade de viver, a única forma de podermos suportar as
infelicidades que vivemos aqui. Ele sugere uma vida em que a vontade seja
anulada, sugerindo que imitemos a vida dos santos católicos e sábios Hindus.
A filosofia de
Schopenhauer representa a antítese do realismo moderado de São Tomás e do
otimismo a respeito da criação que estão entre os fundamentos do judaísmo e do
cristianismo. Para ele, a única parte que interessa no Antigo Testamento é a
história da queda. O mundo para Schopenhauer, assim como para os gnósticos, é
uma prisão, um lugar mau, daí sua desconfiança e ódio a respeito do judaísmo e
do islã, que são religiões otimistas.
Schopenhauer é apolítico,
não escrevendo nada sobre esse assunto em seus livros. Sua opinião sobre o
poder da arte como libertadora do sofrimento desse mundo e como uma forma de
escapar do debate político iriam influenciar o jovem Hitler; mas seria injusto
culpar a filosofia de Schopenhauer pelo nazismo.
O filósofo alemão oscila
entre admiração e repulsa pelo cristianismo, especialmente sobre o catolicismo.
Ele parece ter uma leve admiração pelos escolásticos espanhóis, especialmente
Suaréz. Ele utiliza muito a definição escolástica de forma substancial.
Sua Metafísica é realmente
profunda em muitos momentos, e eu destaco sua filosofia sobre os animais e o
suicídio como sendo de especial interesse. Sua metafísica é de base platônica,
mas Schopenhauer não segue Platão a respeito da opinião positiva que o filósofo
grego tinha sobre as mulheres. A opinião de Schopenhauer sobre as mulheres é
realmente repulsiva.
Ele demonstra sentir
atração por filósofos gnósticos e panteístas como Giordano Bruno, Madame Guyon
e Spinoza. Na própria continuação do Mundo Como Vontade e Representação (o
Volume 2), Schopenhauer defende abertamente o gnosticismo dos primeiros séculos
cristãos e se declara adepto aberto de Marcião. Marcião foi um filósofo
antissemita que tentou contrapor o Antigo ao novo testamento. A teologia de
marcião voltou dos subterrâneos da heresia muitas vezes ao longo dos séculos.
Sua mais radical forma foi no Nazismo, que tentou separar Cristo do povo judeu.
Schopenhauer defendia um antissemitismo do tipo marcionita pela sua repulsa ao
Antigo Testamento. Ele declara-se adversário da filosofia otimista a respeito
da criação de Clemente de Alexandria.
Como Maritain havia
definido a filosofia Platônica, em Schopenhauer vemos as mesmas tendências a um
dualismo psicológico, ou seja, a vontade de definir o homem como um anjo preso
a uma matéria má. Na filosofia de São Tomás, o animismo, dois princípios
incompletos cada um, um dos quais uma alma racional é espirtitual, e que formam
uma única substância (composto humano). Na filosofia idealista, o homem é um
espírito acidentalmente unido a um corpo (Espiritualismo exagerado). A alma e o
corpo são duas substâncias completas cada uma(Dualismo). Ver Jacques Maritain-
Introdução Geral à Filosofia.
O filósofo alemão era
contrário à doutrina do livre-arbítrio, um dos principais pontos da filosofia
cristã, defendida por Santo Agostinho, pela Escolástica e o Concílio de Trento
contra o determinismo desesperador de Lutero. Nesse ponto Schopenhauer é um
defensor do pensamento Luterano por sua opinião contrária à liberdade da
vontade.
Schopenhauer foi uma
tentativa de unir a gnose de Marcião dos primeiros séculos cristãos, ao
gnosticismo irracional do hinduísmo. É uma filosofia que é profunda em alguns
momentos, mas é pessimista pois é gnóstica, e apolítica, porque nesse ponto
Schopenhauer fez questão de desprezar a política como parte de uma filosofia
que desconfia das questões desse mundo, buscando somente escapar ao sofrimento
e a vontade de viver.
Schopenhauer nos apresenta
a sua ideia de mundo na sua extensa obra chamada O mundo como vontade de
representação (1818). O mundo em Schopenhauer é vontade, e vontade se faz
representação, representação é uma vontade disfarçada na individuação. É nessa
dinâmica que a vida como sendo sofrimento e dor deve ser entendida, ao
contrário de ser mera ofensividade.
A representação é o mundo
tal como nos aparece na sua multiplicidade, porém, essa multiplicidade
representativa que o homem cria, é organizada e articulada no espaço e no
tempo. Surge ai dois princípios: o princípio da individuação e o de razão.
O princípio da
individuação nos remete ao que Schopenhauer concebe como sendo espaço e tempo,
em suas formas de individuação e multiplicidade onde os fenômenos ocorrem. Por
princípio da razão, o filósofo entende o caráter explicável que nós damos aos
fenômenos que se sucedem no espaço-temporal.
Ressalta importante a
fazer é que a razão para Schopenhauer não é revestida do tradicionalismo
filosófico socrático-cartesiano. A razão é mera ilusão; embora as
representações do mundo sejam organizados pela nossa razão, a “verdade” será
sempre inacessível, sendo este título reservado à vontade. Tirando a vontade,
conceito central da filosofia schopenhauriana, nada existe no mundo senão
fantasias.
Schopenhauer revestiu a
vontade com a essencialidade metafísica, daí um dos pontos de discordância de
Nietzsche. O elementar existente em toda vida é a vontade. Mas o que é a
vontade? A vontade é um impulso cego presente em todos os seres vivos, ela não
é acessível à razão, mas se mostra através da razão. O objetivo da vontade não
é senão a satisfação, que também não é da ordem cognoscente.
Porém o mundo não permite
que essa vontade seja satisfeita em sua plenitude, há obstáculos demais, de tal
forma que é exatamente nesse contexto que devemos entender o mundo como sendo
sofrimento e dor para Schopenhauer.
Não há nenhuma forma de
satisfação da vontade em sua integridade, quando não muito um pouco de gozo,
mas que tão logo dissipa no surgimento de outras necessidades. É nesse
movimento incessante pela busca de satisfação, sendo ela jamais obtida de forma
integral, que a vida é uma sucessão de sofrimentos com alguns pontos de prazer.
São na alternância entre
sofrimento e prazer, desejos e decepções que surgem com o devir que a vontade
se manifesta. A vida em total equilíbrio é impossível, a vontade é movimento
constante em busca da satisfação, é o nascer e o perecer incessantemente sendo
renovado. Nesse sentido, somos eternos, pois sendo vontade a essência da vida
para Schopenhauer, ela é sempre sucessão infinita presente na Vida, um eterno
ciclo renovável.
A vontade reside fora do
campo das aparências e não habita o espaço-temporal. Somente no corpo é que
podemos perceber as suas manifestações em essência, para Schopenhauer, o homem
é vontade. Mas se habitamos um espaço-temporal, isto é, fora das acomodações da
vontade, como ela se apresentará no mundo?
A vontade se apresenta
pelas representações. Como anseio ávido, impulso básico e cego da espécie, ela
se objetiva através do mundo das ideias. É por meio do princípio da
individuação e da razão que a vontade usa “roupagens” múltiplas para
ser-no-mundo. A representação se mostra como expressão da vontade disfarçada
que disputa a matéria em um espaço-temporal.
Freud, na construção do
inconsciente, apoiou-se fundamentalmente na filosofia de Schopenhauer.
Nietzsche, como já dito, também se apropriou da vontade, porém, desvestida de
essência e verdade, e para além de sua função cega e negativa da vida, fez da
vontade a força criadora que permite ao homem fazer de si uma obra de arte ou
se quebrar nela mesma: a vontade de potência.
É ingênuo atribuir a
Schopenhauer o termo pessimista tal como ele costuma ser significado para nós:
fazendo oposição à felicidade inventada pelos homens modernos, que tem como
essência a crença em um terno estado de perfeito gozo ou a leviana idéia de que
somente “pensamentos positivos” devem fazer parte do nosso itinerário.
Schopenhauer oferece nada
mais que uma interpretação para a vida. Uma vida que é vontade cega num
devorar-se a si mesma, sem cessar. A dor e a destruição são intrínsecas a essa
vida, pois a vontade é indiferente à individuação, de tal forma que ela
necessariamente acarreta o sofrimento do outro e de si. Um corpo habitado pela
vontade não vê outro senão como inanimado, um meio para satisfação como
qualquer objeto, decorrendo daí, tal como em Hobbes, uma natureza onde o homem
é o lobo do homem.
Com essa ideia terrível de
vida, Schopenhauer não está sentenciando a vida no conformismo, não está
dizendo para nós fazermos guerra uns com os outros. Conhecendo essa vontade
cega que reside nos subterrâneos da nossa existência, para Schopenhauer,
podemos buscar formas mais satisfatórias de relacionamento com o mundo e com as
outras vontades, isto é, com os outros seres vivos.
Como caminhos possíveis
que Schopenhauer nos oferece para escapar do incessante devorar-se a si mesmo
imposto pela vontade, há a contemplação estética e o ascetismo. O primeiro é a
possibilidade do homem transcender sua percepção de mundo, libertar-se do
desejo e, temporariamente, contemplando a aparência do belo, suprimir o
sofrimento.
A arte, por excelência, é
para Schopenhauer um meio para contemplação capaz de ofuscar a vontade. A
contemplação pura da arte, descompromissada, faz o sujeito perder-se de si, ela
é independente do princípio da razão e atemporal. Por meio da arte o homem pode
“apagar”, momentaneamente, o mundo que é sofrimento e trazer a visão
confortante da percepção artística.
A arte schopenhauriana
também influenciou profundamente Nietzsche, sobretudo em O nascimento da
tragédia, onde está era vista ainda em seu caráter metafísico, o que tempos
depois Nietzsche eliminaria.
Interessante notar é que
nessa relação inicial de mestre-discípulo, para ambos, a vontade é caos,
sofrimento e contradição, porém, enquanto Schopenhauer a vontade opera negando
a vida, já que a satisfação será sempre impossível, em Nietzsche ela é a
própria força criadora para afirmar a vida, vontade do artista para obter a
alegria no mundo aparente.
Já pelo outro caminho,
pela via do ascetismo, Schopenhauer acredita que é possível, de forma mais
duradoura, apaziguar a dor. Este caminho não é senão a negação da vontade.
Pelas representações oriundas da vontade, o asceta faz dela uma arma contra si
mesma, nega-a através de suas representações que elegem ideais como elementos
mais supremos e primordiais para obtenção do gozo, e essa arquitetação se dá no
plano supra-sensível. Por estar esse gozo representado no mundo das ideias, o
asceta, enganando a vontade, por assim dizer, não se sabe por quanto tempo, irá
desfrutar de satisfações.
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