terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

ÉTICA E POLÍTICA

ÉTICA E POLÍTICA

A relação entre ÉTICA E POLÍTICA adquiriu formas e valores bem distintos ao longo da história da humanidade, desde uma forte relação entre ética e política na Antiguidade, uma ruptura entre ambas no RENASCIMENTO E INÍCIO DA MODERNIDADE, uma crise de valores característica da contemporaneidade até uma proposta atual de reaproximação entre ambas.
 Como é manifesto, na história da cultura ocidental encontram-se diferentes teorias acerca da relação entre ÉTICA E POLÍTICA, algumas das quais afirmam a compatibilidade, ou também a convergência, ou diretamente a substancial identidade dos dois termos; outras afirmam a divergência, a incompatibilidade ou diretamente o antagonismo (BOVERO, 1992, p. 141).
O conceito de “ÉTICA” remonta aos gregos; provém de ÊTHOS (com eta inicial), e éthos (com épsilon). Em seu primeiro significado, ethos designa a residência, morada, lugar onde se habita; em sua segunda acepção designa o conjunto de costumes normativos da vida de um grupo social, o modo de ser, o caráter. É, pois, a realidade histórico-social dos costumes e sua presença no comportamento dos indivíduos que é designada pelas duas grafias do termo ethos.
O seu último significado será vulgarizado a partir de ARISTÓTELES que o integra definitivamente na filosofia usando ainda o adjetivo ethiké (ethiké procede do substantivo ethos conforme nos ensina Carlos Ferraz, 2014) que qualifica um determinado tipo de saber surgindo a expressão ethiké pragmateia, que se pode traduzir tanto como o exercício constante das virtudes morais, quanto como o exercício da investigação e da reflexão metódica sobre os costumes.
Já o vocábulo moral traduz o latim MOS, apresentando evolução semântica análoga a do termo ética. Os romanos não conseguiam fazer distinção, no latim, entre ÊTHOS E ÉTHOS, traduzindo por MOS e MORES.
“Tal conceito foi posteriormente traduzido, por Cícero, para o termo latino mos, do qual advém a palavra “MORAL”, de tal forma que “moral” seria uma mera tradução de “ética” (significando, pois, a mesma coisa)” (FERRAZ, 2014, p. 09). Etimologicamente a raiz de moralis é o substantivo mos (mores) que corresponde ao grego ethos. Desde a época clássica, moralis, como substantivo ou adjetivo, passa a ser a tradução usual do grego ethiké e esse uso é transmitido ao latim tardio e, finalmente, ao latim escolástico, prevalecendo seu emprego tanto como adjetivo, para designar uma das partes da Filosofia, ou qualificar essa disciplina filosófica com a expressão PHILOSOPHIA MORALIS, hoje vulgarizada nas diversas línguas ocidentais, quanto simplesmente como substantivo, como moral em nossa linguagem corrente.


ÉTICA E POLÍTICA AO LONGO DA HISTÓRIA

Uma marca característica da ética na Antiguidade é sua INDISSOCIABILIDADE COM A POLÍTICA. Desde Platão e seu discípulo Aristóteles, que a ideia de constituição da polis é perpassada pelo princípio de que a cidade deve ser dirigida por governantes sábios, justos e virtuosos. É de Aristóteles, por exemplo, a afirmação de que o homem é um animal político – ZOON POLITIKON. “Trata-se de um homem ‘essencialmente destinado à vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um ZOON POLITIKÓN por ser exatamente um ZOON LOGIKÓN, sendo a vida ética e a vida política artes de viver segundo a razão’” (LIMA VAZ, 2004, p. 38-39 apud PANSARELLI, 2009, p. 13).
E Hélcio Corrêa afirma que na POLIS GREGA O CIDADÃO só é reconhecido como tal a partir de sua inserção na comunidade política e a razão prática que norteia a ação do cidadão grego está intimamente ligada ao ethos “[...] entendido este como um conjunto de tradições, costumes e valores próprios da vida na polis” (2011, p. 77) e, no caso de Aristóteles, “[...] as noções de ética e política de completam reciprocamente na teoria da justiça” (2011, p. 77).
Com efeito, na POLIS GREGA, tanto o estudo da ética quanto da constituição da polis (da política) lançam as bases para o comportamento justo do indivíduo e do cidadão. Platão , inclusive, compara a ideia de justiça, tanto no indivíduo quanto na sociedade, como sendo a harmonia entre suas partes. Essa dupla perspectiva aparece já no início da obra A República de Platão, a partir do Livro II quando este afirma que o homem justo em nada diferirá da cidade justa e será semelhante a ela (435b). Para Del Vecchio (1925, p. 14) aparecem aí fundidas a norma moral e jurídica, a política e a ética, inclusive a psicologia, ou seja, a vida interior do indivíduo e as relações sociais.

Isso de laços entre o indivíduo e a polis, se já existe certa simetria em Platão, radicaliza-se em Aristóteles, o qual tratou predominantemente da justiça no livro V da Ética a Nicômaco. John Morrall afiança-nos: [...] como Platão na República, Aristóteles vê uma analogia entre a vida da polis e a vida da família, e traça semelhanças entre os modos pelos quais se podem governar famílias e estados[...] (1981, p.45 apud CORRÊA, 2011, p. 78).

 A concepção de justiça para os gregos estabelece uma relação direta entre ética e política tanto para Platão quanto para Aristóteles, pois a justiça (dikaiosýne) é também virtude (areté). A justiça é tanto a ordem da comunidade dos cidadãos quanto virtude individual que consiste no discernimento do que é justo ou injusto.
Para o filósofo grego Aristóteles, se a ética é condição de autorrealização do indivíduo ou, mais precisamente uma vida virtuosa com base na razão, se pode dizer o mesmo da política que é a condição de autorrealização da polis e uma e outra não estão separadas, assim como não estão separados o indivíduo e o cidadão.
O projeto individualista do liberalismo moderno seria profundamente estranho aos pensadores gregos (MACINTYRE, 2001) que tinham por certo a premissa de que A LIBERDADE SITUA-SE SOBRETUDO NA ESFERA POLÍTICA (ARENDT, 1981) e por isso Aristóteles irá afirmar que aquele que for incapaz ou não sente a necessidade de se associar em comunidade ou é uma besta ou um deus (ARISTÓTELES, 1998, 1253a 25). Somente na polis, na vida em comunidade, a felicidade (eudaimonia) pode ser alcançada, e o bem, fim último da existência humana, pode se realizar (HIRSCHBERGER, 1969). Não existe agir ético ou virtuoso fora da polis.
 E, assim, da mesma forma que, na Política escreveu Aristóteles: A finalidade e o objetivo da cidade é a vida boa, e tais instituições propiciam esse fim (Pol.,1280 b 40); também o filósofo não deixou de consignar que é preciso concluir que a comunidade política existe graças às boas ações, e não à simples vida em comum (Pol., 1281a1) (apud CORRÊA, 2011, p. 80).
 Portanto, os gregos não possuíam essa visão que separa a ética da política como sendo a primeira da esfera individual e a segunda exterior ao indivíduo e ambas tratadas separadamente: “[...] na polis grega, o cidadão, em si, é reconhecido como tal apenas a partir de sua inserção na comunidade política” (CORRÊA, 2011, p. 83). Ademais, apenas na polis a felicidade (eudaimonia) é passível de ser alcançada e na relação entre a vida individual e a vida em comunidade uma é condição de realização plena da outra e vice-versa.
Para Alasdair Macintyre (2001) foi o liberalismo moderno que rompeu os laços com a polis, com a comunidade política, e enfatizou a dimensão humana do individualismo. Mas antes mesmo do liberalismo moderno uma ruptura ainda maior entre a ética e a política foi promovida por um dos maiores pensadores italianos do período renascentista e início da modernidade: aquele que é considerado, precisamente, O PAI DA CIÊNCIA POLÍTICA, A SABER, NICOLAU MAQUIAVEL.
 Até o início do século XVI, política e moral não constituíam campos separados; ao contrário, eram tratadas de forma indistinta, sendo as avaliações dos fatos políticos afetadas por julgamentos de valor. Algumas obras revelavam a redução total da política à moral, tal como se pode observar em A educação do príncipe cristão, de ERASMO DE ROTTERDAM, livro publicado em 1515, no qual Erasmo traça o perfil do bom príncipe, enfatizando a relevância da magnanimidade, da temperança e da honestidade, enfim, de atributos definidores da retidão moral do soberano. Maquiavel rompe com essa forma de subordinação da política aos ditames da moral convencional e afirma que a política tem uma lógica própria e razões nem sempre compatíveis com princípios consagrados pela tradição (DINIZ, 1999, p. 61).
Ao rejeitar os sistemas utópicos da filosofia grega e procurar a verdade efetiva dos fatos (MAQUIAVEL, 1999, cap. XV), Maquiavel promove uma certa ruptura entre o campo do dever ser (determinado pela ética) e a realidade dos fatos que é objeto de estudo da política. A principal preocupação de Maquiavel é o Estado: não o Estado ideal imaginado na República de Platão ou nas utopias dos filósofos renascentistas como THOMAS MORUS E TOMMASO CAMPANELLA, mas o Estado real, concreto, seguindo a trilha inaugurada pelos historiadores antigos como TÁCITO, POLÍBIO, TUCÍDIDES E TITO LÍVIO. Ao desvincular o Estado ideal do Estado real Maquiavel defende a autonomia da política em relação à religião e à moral cristã e promove uma ruptura entre aquilo que é e o que deveria ser (SADEK, 1995, p. 17-18). “Maquiavel reivindica a irredutibilidade e a autonomia da política, a política como um campo específico do saber, a exigir um enfoque também específico, distinto da moral, da ética e da religião” (DINIZ, 1999, p. 60).
A análise política deve se ater à realidade concreta dos fatos, pautar-se pelos aspectos objetivos e reais que existem na sociedade devendo se desprender de considerações de caráter moral e religioso sobre como a sociedade deveria ser e de critérios valorativos expressos em um plano ideal. O argumento de Maquiavel consiste “[...] em admitir que a ótica do indivíduo e a ótica do Estado são distintas e que nem sempre o que é bom para o indivíduo é igualmente adequado para o Estado. Trata-se de dois sistemas de juízos não necessariamente coincidentes” (DINIZ, 1999, p. 61).
Cumpre notar, todavia, que Maquiavel não advoga a rejeição de princípios éticos. Apenas irá defender a autonomia da política em relação a ética e que, se necessário, um Príncipe deve aprender a saber usar de artifícios estratégicos que conflitam com a moral cristão, por exemplo, se quiser se manter no poder. A ética maquiaveliana tem características distintas da tradição cristã, de alguma forma determina a conduta do príncipe, mas não é condição necessária da organização política já que, dependendo da situação, um Príncipe deve saber agir pelas leis ou pela força, devendo empregar adequadamente o homem e o animal (MAQUIAVEL, 1999). “Podemos lembrar ainda o conselho que dá aos príncipes, no cap. XVIII, ressaltando que devem reunir ao mesmo tempo as qualidades do leão e da raposa, isto é, a força e a astúcia, se quiserem ter sucesso na condução dos negócios do Estado” (DINIZ, 1999, p. 60).
Com a ruptura promovida por Maquiavel, a ética vai cada vez mais se distanciando do campo da política e os filósofos modernos e contemporâneos vão cada vez mais tratando a ética de forma autônoma e independente da política, mas não sem exceções, como é o caso do filósofo do iluminismo francês JEAN-JACQUES ROUSSEAU ou dos filósofos HEGEL e HABERMAS: o primeiro em fins do século XVIII e início do século XIX e o segundo no século XX.

ÉTICA E POLÍTICA HOJE

Embora nem sempre haja convergência entre a prática políticas e os princípios morais, é fato hoje que a sociedade em geral está cansada de tantas notícias envolvendo escândalos de corrupção e posturas não condizentes com nossos representantes políticos (tanto na esfera do poder executivo quanto do legislativo) e clama por uma sociedade mais justa, no mesmo sentido em que desde a antiguidade Platão e Aristóteles já destacavam o importante papel que a justiça deve desempenhar para a vida em sociedade.
Em um de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, RUI BARBOSA afirmou: “Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota” (apud NOGUEIRA, 1993, p. 350). Além disso, “a intensa crise política no país impõe que faça algumas reflexões sobre o problema da ética na política” (CHERCHI, 2009, p. 15).
Para alguns há uma incompatibilidade inelutável entre ética e política e ambas devem ser consideradas em domínios opostos. Para outros “[...] há uma forte expectativa, particularmente nos regimes democráticos, de que os governantes se conduzam de acordo com critérios de probidade e justiça na administração dos negócios públicos” (DINIZ, 1999, p. 57). De qualquer forma é preciso considerar que o âmbito da esfera política não pode ser reduzido ao universo da ética e da moral, pois como afirma Frota: “Os valores políticos transcendem os valores éticos e o universo da política não pode ser confundido com o da ética” (2012, p. 14).
Tanto a ética quanto a política são temas de uma longa tradição do pensamento filosófico e continuam a permear nossa realidade contemporânea por uma razão muito simples: não há como pensar a vida em sociedade sem valores morais e sem organização política. A QUESTÃO É: AS DUAS QUESTÕES ESTÃO RELACIONADAS OU DEVEM SER TRATADAS DE FORMA INDEPENDENTE? Como vimos, ao longo da história, nem sempre os filósofos tiveram a mesma opinião sobre o assunto e ainda hoje esse tema é motivo de conflitos de ideias. AFINAL, ÉTICA E POLÍTICA PODEM CONVERGIR ENTRE SI? “Podem ser ambos referidos a um mesmo termo de comparação, ou pertencem a universos incomensuráveis porque muito distantes? Pode-se responder de um e outro modo e articular a resposta de muitos modos diferentes” (BOVERO, 1992, p. 143). Para Cherchi, “a ética na política, diz respeito à conduta de cidadãos investidos em funções públicas, que como agentes públicos são responsáveis por manter uma conduta ética compatível com o exercício do cargo público para os quais foram eleitos” (2009, p. 15).
Por fim vale ressaltar que a sociedade contemporânea parece, de fato, cansada de ouvir falar de tantos escândalos na política e a apatia e até mesmo repulsa de muitos cidadãos pela política são a consequência direta da forma como a política é conduzida pelos nossos governantes.
Mas nem todos os cidadãos ficam passivos diante dos problemas que envolvem a classe política. As mais recentes manifestações da população brasileira como as do ano corrente ou as de 2014 ou 2013 atestam isso. A sociedade está cada vez mais disposta a se mobilizar pela “MORALIDADE PÚBLICA”. Escândalos de corrupção envolvendo as mais importantes empreiteiras do país na famosa OPERAÇÃO LAVA-JATO, os esquemas de corrupção conhecido como Mensalão, e até mesmo décadas atrás, no conhecido “MOVIMENTO PELA ÉTICA NA POLÍTICA” de 1992 que culminou com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo demonstram o quanto a população está disposta a tomar as ruas se for preciso para acabar com a corrupção que assola o nosso país.
Sabemos que muito há ainda por ser feito e que a corrupção, talvez, dificilmente tenha fim, já que são muitas as formas de manipulação, utilização e desvios de verba pública para beneficiar interesses particulares e partidários. Contudo, há nos corações e mentes de homens e mulheres sempre uma fagulha de esperança de que é possível viver numa sociedade mais justa e menos desigual. E é este sentimento que nos anima e nos move rumo a um futuro melhor.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária: Salamandra, 1981.
ARISTÓTELES. Política. Trad. de António Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes. edição bilíngue. Lisboa: Vega, 1998. (edição disponível online)
BOVERO, Michelangelo. Ética e Política entre maquiavelismo e kantismo. Lua Nova, n. 25, p. 141-166, abr. 1992. Acessado em 15/03/2016.
CHERCHI, Giovana Silvia. Renúncia do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados por falta de ética ou quebra do decoro. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2009. Acessado em 24/06/2016.
CORRÊA, Hélcio. As relações entre ética e política na concepção de justiça em Aristóteles. Revista CEJ, Brasília, vol. 15, n. 55, p. 76-85, out./dez. 2011. Acessado em 12/03/2016.
DEL VECCHIO, Giorgio. La justicia. Tradução Luiz Rodriguez – Camuñas e Cézar Sancho. Madrid: Gongora, 1925.
DINIZ, Eli. Ética e Política. Revista de Economia Contemporânea, n. 5, p. 57-70, jan./jun. 1999. Acessado em 13/03/2016.
FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/03/2016.
FROTA, Getúlio Soares N. Implicações da quebra de ética e decoro parlamentar na 4ª e 5ª legislaturas da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2012. Acessado em 23/06/2016.
HIRSCHBERGER, Johannes. História da filosofia na antiguidade. São Paulo: Herder, 1969.
MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Tradução Jussara Simões. Bauru: EDUSC, 2001.
MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (edição disponível online)
MORRALL, John B. Aristóteles. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.
NOGUEIRA, Rubem. Considerações acerca de um Código e Ética e Decoro Parlamentar. Revista de informação legislativa, v. 30, n. 118, p. 349-358, abr./jun. 1993. Acessado em 23/06/2016.
PANSARELLI, Daniel. Para uma história da relação ética-política. Revista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 9-24, jul. /dez. 2009. Acessado em 12/02/2016.
PLATÃO. A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. (edição disponível online)
SADEK, Maria T. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtù. In: WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. 6.ed. São Paulo: Ática, 1995. vol. I.

fonte: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/etica-e-politica/


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

CONSCIÊNCIA E SUAS RELAÇÕES COM O OUTRO E O SER-EM-SI, SEGUNDO SARTRE

SEGUNDO SARTRE, PARA EXPLICAR AS RELAÇÕES DA CONSCIÊNCIA É PRECISO DETERMINAR DOIS SERES: O SER-EM-SI E O SER-PARA-SI.



Para explicar as relações da consciência é preciso antes defini-la tal como Sartre o fez. Partindo da análise da consciência do homem - um ser que está no mundo, ou seja, vinculado ou indissociável enquanto corpo-mente-mundo - é possível determinar dois seres: O Ser-em-si e o Ser-para-si. O primeiro diz respeito às coisas tal como se apresentam para nós, sendo fenômeno (aparição) ou não, ou seja, existem aí no mundo (Dasein), independente de qualquer coisa. O segundo, o para-si, é a consciência que ao se defrontar com o mundo torna-se um processo dinâmico (contrastando com a inércia do em-si) e faz com que o em-si se desvele.
Essa relação evidencia a natureza do Para-si: é o nada que vê nos objetos o seu não ser, isto é, relacionado com o ser-em-si, ele (o para-si ou consciência) não se identifica com nenhum dos seres (em-si), sendo, portanto, uma falta, uma carência que é na verdade o movente para atingir aquele repouso do em-si. O para-si deseja ser.
Também o para-si é um ser contingente, mas que ao contrario do em-si quer ser causa da sua própria existência e que questiona seu próprio ser. Nisso já está implícito um conceito de liberdade que é característica do ser-para-si. Essa liberdade permite que uma subjetividade seja objetiva e nesta ação está a responsabilidade que Sartre atribui a cada homem.
A consciência quando se depara com um ser (em-si ou para-si), seja na forma de percepção, seja na de imaginação, tem uma intenção: intencionalidade da consciência diante dos fenômenos (existentes) é uma forma negadora de outros objetos (externos) e de si mesma (interna) e por isso ela (a consciência) é o nada que vem ao mundo pelo homem e faz a relação entre ser-em-si e ser-para-si ser um fluxo recíproco entre eles.
Como a consciência não consegue se identificar com nenhum ser-em-si, ela disto se aproxima quando em relação com outra consciência. Isto porque a ação ou escolha enquanto consciência percebe a contingência e gratuidade de sua existência que geram a angústia posterior a uma sensação de náusea. Angústia porque a responsabilidade é totalmente do individuo ou de cada individuo enquanto forma de reagir ao mundo, às coisas, etc., causados pela náusea de saber que não existe um Deus ou um fundamento que determine a sua essência. Se, como diz Sartre, a existência precede a essência, o homem enquanto jogado ao mundo é quem desenvolve seus projetos e único responsável por suas ações. Estas ações podem implicar numa ética. A relação entre consciência é o que permite que a escolha seja de fato universal. Se a consciência é livre e pode escolher, quando isto se dá, quer dizer que é escolher a liberdade para todos os homens, pois se escolhe o homem (a consciência).
Dessa forma, outro é que é o espelho para um indivíduo (intersubjetividade) e determina a escolha em agir ou não da mesma forma e pode, também, melhor emitir um juízo sobre esse indivíduo. Assim, de sua frase “o inferno são os outros” é que temos a concepção de que os julgamentos são sempre parciais. Não é a defesa de um tipo de egocentrismo exacerbado, mas sim a verificação ontológica da possibilidade das escolhas seja feita universalmente devido ao fato de que ao se escolher, escolhe-se a liberdade. Há uma pretensa noção de que as escolhas conscientes se uniformizem, já que o conflito é inevitável entre seres livres que pensam e escolhem diferente. Mas o que pode ser considerado mais universal é que o homem é um ser para a morte.

Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
FONTE:http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/consciencia-suas-relacoes-com-outro-ser-em-si-segundo-sartre.htm

sábado, 18 de fevereiro de 2017

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA

NEOLIBERALISMO E MERITOCRACIA



Nos anos 1980, o Brasil seguiu rota inversa do paradigma neoliberal. Fomos salvos pelo momento político. A agenda de mudanças das ruas visava a acertar contas com a ditadura e não havia solo fértil para germinar a contraofensiva dos mercados desregulados.
No entanto, no início da década de 1990, se forma “o grande consenso favorável às políticas de ajuste e às reformas propugnadas pelo Consenso de Washington”, como explica José Luis Fiori. No plano interno, além do esgotamento do Estado Nacional Desenvolvimentista, assiste-se à remontagem da tradicional coalizão que tem sustentado o poder conservador no Brasil. Depois dos sobressaltos vividos pela campanha pelas eleições diretas (1983) e da quase vitória de Lula (1989), essa forças políticas se rearticularam em torno das candidaturas de Fernando Collor de Mello (1989) e, posteriormente, de Fernando Henrique Cardoso (1994 e 1998).


Em busca do poder vitalício, a classe política novamente demonstrou notável capacidade de preservar o status quo social, adaptando-se às circunstâncias da conjuntura para representar os interesses das forças que detêm o poder hegemônico (econômico, político, midiático). Essa mimetização explica como políticos identificados com a ditadura e outros identificados com o projeto reformista democrático das décadas de 1970-1980 passaram a ser base de sustentação do antagônico projeto neoliberal.
A política deixou de cultivar projetos ambiciosos de transformação social e de tutelar a economia para conter o ímpeto desagregador do mercado. A esfera pública foi sistematicamente esvaziada, aprofundando-se a submissão da sociedade civil, do sistema político e do Estado aos interesses dos mercados globais desregulados.
O período é marcado pelo esgotamento do movimento social que lutou contra a ditadura. A crise do mercado de trabalho pôs os sindicatos na defensiva e minou a crescente organização da classe trabalhadora, que se ampliava desde o final dos anos de 1970.
Essa trilha caminhava na direção oposta à dos que clamavam nos movimentos populares das décadas de 1970-1980: introdução da prática da democracia participativa a ser efetivada pelos partidos políticos, afirma Marilena Chaui. “Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas”. A autora atribui ao neoliberalismo o peso maior pelo quase desaparecimento dessas conquistas da cena política.
No campo econômico, diversos autores sustentam ter havido uma opção “passiva” pelo modelo liberal. As elites dirigentes foram conquistadas pela convicção de que “não há outro caminho possível”, segundo Fiori. O argumento corrente à época (“there is no alternative”) foi relembrado por Roberto Schwarz em artigo recente.2 A partir dali, nossos governos abriram mão das possibilidades de exercício de política macroeconômica mais ativa, como afirmam, entre outros, Carlos Alonso Barbosa de Oliveira e Jorge Mattoso.
A economia também seguiu a rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980 (ver artigo Paralelos entre 1988 e 2013 desta série). O Plano Real teve êxito na estabilização da moeda. Não obstante, esse resultado positivo foi obtido com custos sociais e econômicos elevados. As bases materiais e financeiras do Estado foram minadas em consequência das privatizações e do endividamento crescente. A selvagem abertura financeira e comercial expôs a indústria à competição desigual que provocou internacionalização e destruição das cadeias produtivas de setores estratégicos. Os problemas crônicos do subdesenvolvimento econômico e social foram agravados.
O ajuste macroeconômico, ao combinar abertura comercial e valorização do câmbio, desequilibrou a balança de pagamentos e ampliou a vulnerabilidade externa. A “solução” de curto prazo passava pela atração de capital especulativo para acumular reservas. Para isso, foram praticados juros internos “obscenos”. Nos períodos de crise internacional (México, Ásia e Rússia), a taxa de juros básicos da economia subiu para patamares superiores a 40% ao ano.

As opções monetária e cambial provocaram desorganização das contas fiscais dos três entes federativos, limitando as possibilidades do investimento e do gasto social, em função da crescente necessidade de gerar superávits fiscais para pagar encargos financeiros. O endividamento público dobrou em oito anos (de 30% para 60% do PIB, entre 1994 e 2002). O aumento das despesas com juros (superior a 8% do PIB em muitos anos) motivou elevação da carga tributária promovida entre 1995 e 2002 (de 25% para 34% do PIB).
O ajuste macroeconômico e as reformas liberalizantes geraram estagnação e ampliação da crise social e do trabalho. A renda per capita ficou estagnada, o desemprego atingiu 13% em 2002 e houve forte destruição de postos de trabalho formais, conforme Mattoso. A participação relativa do trabalho assalariado “com carteira assinada” despencou de 59% para 45%, entre 1989 e 1999; a distribuição da renda do trabalho manteve-se praticamente inalterada, segundo Paulo Baltar; ocorreu uma “deterioração ponderável” da distribuição entre lucros e renda do trabalho (renda funcional), em favor do primeiro, segundo Cláudio Salvadori Dedecca; e a mobilidade social foi interrompida, segundo ainda Waldir Quadros.
O endividamento público limitou o gasto social e abriu espaços para que o poder econômico capturasse parcela expressiva dos fundos públicos que financiavam os direitos sociais conquistados em 1988. A maior pressão do pagamento das despesas financeiras sobre o orçamento estreitava as margens do financiamento dos gastos sociais. Observe-se que, entre 1996 e 2003, a participação do gasto social federal na despesa total efetiva do governo declinou 10 pontos percentuais (de 60% para 50%), enquanto a participação das despesas financeiras cresceu 16 pontos (de 17% para 33%)(Castro, J.; Ribeiro J.A e Carvalho,A. 2008).


Movimento semelhante ocorreu no âmbito dos governos estaduais e municipais. A política econômica, depois de provocar substancial elevação do endividamento desses entes federativos, impôs severo programa de renegociação de dívidas e regras de gestão fiscal “responsável”. Esses fatos também tiveram repercussões nos rumos das políticas sociais, na medida em que, a partir de 1993, de forma correta, estados e municípios assumiram responsabilidades crescentes nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social.  
No campo da cidadania social, o projeto neoliberal exigia a eliminação do capítulo sobre a “Ordem Social” da Constituição da República. Isso também caminhava na rota oposta do que pediam as vozes das ruas das décadas de 1970-1980. O Estado mínimo, cerne da agenda liberalizante, era incompatível com os valores do Estado de Bem-Estar: seguro social versus seguridade social; focalização versus universalização; assistencialismo versus direitos; privatização versus prestação estatal direta dos serviços; desregulação e contratação flexível versus direitos trabalhistas e sindicais.
É dessa perspectiva que poderemos perceber a força das ideias que procuram impor a “focalização” como a única política social possível para o Brasil. Essa alternativa ganhou impulso no contexto das mudanças ocorridas a partir do acordo com o FMI, no final de 1998. Programas focalizados, vistos como “estratégica única” para alcançar o “bem-estar”, passaram a se contrapor às políticas universais. Essa suposta opção pelos pobres ilude os incautos que não percebem que o objetivo central é promover ajuste fiscal. Programas de transferência de renda são muito mais baratos que políticas universais (0,5% do PIB, contra 7% do PIB, no caso da Previdência, por exemplo).
Além do ajuste fiscal, as políticas focalizadas como “estratégia única” abrem as portas para a privatização dos serviços sociais básicos. A ideologia prega que ao Estado cabe somente cuidar dos “pobres” eleitos pelas agências internacionais (quem recebe até US$ 2 por dia). Os demais precisam comprar serviços sociais no mercado.
Esses parâmetros mais gerais influenciaram os rumos da política social entre 1990 e 2002. É com esse pano de fundo que poderemos compreender o retrocesso dos direitos trabalhistas e da previdência social; o abandono da reforma agrária; o avanço da mercantilização das políticas sociais (saneamento, transporte público, saúde, previdência e educação superior); a ausência de política nacional de transporte público, habitação popular e saneamento; o esvaziamento do pacto federativo; as restrições ao gasto social, pela captura dos fundos públicos pelo poder econômico (DRU, seguridade social, encargos financeiros, isenções tributárias). É verdade que foram feitos avanços institucionais nas áreas da saúde, educação fundamental e assistência social, não obstante sistematicamente limitados pela política macroeconômica.
A análise realizada até o momento – que será aprofundada nos artigos seguintes – permite afirmar que o projeto neoliberal dos anos de 1990 explica, em grande medida, o “mal-estar” que emergiu dos protestos populares de 2013. Em última instância, esses movimentos estão questionando a qualidade da democracia e da cidadania social formalmente conquistadas pelas marchas das décadas de 1970-1980 e aviltadas posteriormente.
Esta perspectiva conflita com a visão do economista André Lara Resende. Analisando as razões dos protestos populares, o autor isenta de responsabilidade o governo do qual foi colaborador. Para ele “desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros”. Assim, o “mal-estar contemporâneo” deve-se ao projeto de Estado Nacional de Desenvolvimento formulado no século passado que teria sido recuperado pelos governos do Partido dos Trabalhadores.
Nos próximos dois artigos, serão apresentados dados adicionais que confrontam autoenganos dessa natureza. 



POR QUE E COMO AGIMOS? UNIDADE 3


Por que e como agimos?

Para Platão e Aristóteles, o motivo de nossas ações diz respeito à ideia de razão e felicidade. Autoconhecimento, prudência e até mesmo uma organização política racional da polis, que propicie aos cidadãos condições favoráveis ao agir racional, são alguns elementos fundamentais para a vida em comunidade.
Logo em seguida, durante o período helenístico (séculos IV a.C.-II d.C.) e a consolidação e o apogeu de Roma (séculos III a.C.-II d.C.), cínicos, estoicos e epicuristas, herdeiros da filosofia grega, reorientaram as reflexões sobre o agir para o âmbito da vida pessoal e cotidiana, o que gerou novas respostas a essa questão.
Essas reflexões ecoaram na modernidade. Filósofos como Kant, Nietzsche e Sartre repensaram a ação humana em um contexto cultural e político bem distinto.
Atentos a esse debate histórico, Foucault, Hadot, Singer e Onfray também contribuíram de forma original, partindo de temas acerca da sexualidade, da história, do hedonismo, etc.
Questões como esta – e muitas outras! – constituem o campo da ética, uma área da filosofia que estuda as ações humanas e os valores que orientam e motivam o agir coletivo e individual. Tudo isso é o que estudaremos nesta unidade.





Colocando o problema

O filme Ágora discute uma questão filosófica inquietante. No século III d.C., em Alexandria, capital do Egito e possessão do Império Romano, o legado da cultura grega e o cristianismo em suas diversas formas ainda não oficializadas pelo Estado romano dividem a opinião pública de modo conflituoso.
Por um lado, junto à grandiosa biblioteca de Alexandria, onde se encontravam as principais obras da Antiguidade, Davus, o fiel escravo da filósofa e astrônoma Hipátia, vive a serviço das pesquisas astronômicas de sua ama e de suas aulas de filosofia aos filhos da aristocracia política da cidade; por outro, ele se identifica com o pensamento cristão na palavra de seus seguidores: os pregadores de rua, os escravos e os despossuídos, que se opõem à supremacia política, econômica, moral e cultural dos costumes e dos saberes não cristãos.

Após o conflito culminar com a destruição da biblioteca de Alexandria pelos cristãos, que a consideravam um símbolo pagão e profano, a influência cristã se torna preponderante sobre o modo de vida da cidade. Hipátia, contrária ao pensamento dogmático e aos costumes austeros recém-impostos, resiste dando prosseguimento às suas pesquisas e intervindo nos debates políticos sobre o
rumo de Alexandria.
Agora liberto, Davus se vê dividido, pois entende que a ascensão da nova ordem, além de uma promessa de justiça social, deu-lhe a liberdade. Mas também percebe que os novos valores cristãos oprimem a liberdade de expressão, como ocorre com Hipátia. Considerado imoral e profano pelos líderes religiosos e políticos da cidade, o comportamento da filósofa, contestador e crítico, põe em risco um acordo de paz prestes a ser selado entre cristãos e antigas lideranças locais recém-convertidas ao cristianismo. Ao final, a insubmissão aos novos valores e a oposição política custou a vida da filósofa que o escravo tanto amava.
Ora, a questão que se pode levantar aqui é: como pode uma pessoa ser condenada pelo seu modo de pensar e agir? De outra maneira: sobre quais valores e critérios se baseiam as leis e os costumes para que se possa julgar uma ação como certa ou errada, transgressora ou não, prejudicial ou não à vida em sociedade?
No filme Ágora, o escravo Davus personifica um conflito de valores: por um lado, quer defender a filósofa, que conhece, ama e respeita; por outro lado, vê-se atraído por essa nova ordem social que se constrói.
Essa situação hipotética, que é muito bem explorada no filme de ação, recoloca um problema que a filosofia tem enfrentado, de diferentes formas, desde a Antiguidade. Se os humanos são seres de ação, que constroem suas vidas de modo individual e de modo coletivo, o que move nossos atos? Por que agimos? Como agimos? Com base em que decidimos o que vamos fazer?
Para responder a essa questão, a filosofia parte da noção de valor. Quando temos que decidir entre uma opção e outra, entre duas ou mais possibilidades, nós avaliamos, isto é, comparamos os prós e os contras de cada possibilidade e atribuímos diferentes valores a cada uma delas.
Então, escolhemos aquela que nos parece mais apropriada nas circunstâncias analisadas; ou, dizendo de outra forma, escolhemos aquela que nos parece ter mais valor. Ficamos, assim, com outra interrogação: o que é o valor? Ele é sempre o mesmo? Ou muda de acordo com o tempo?

A CONCEPÇÃO DE FELICIDADE NA ÉTICA ARISTOTÉLICA.

A CONCEPÇÃO DE FELICIDADE NA ÉTICA ARISTOTÉLICA.

A palavra ethos é de etimologia grega e significa comportamento, ação, atividade. É dela que deriva a palavra ética. A ética é, portanto, o estudo do comportamento, das ações, das escolhas e dos valores humanos. Mas no nosso cotidiano ocorre de percebermos que há uma série de modelos de “éticas” diferentes que postulam modos de vida e de ação, por vezes excludentes. Qual é o melhor tipo de vida (se é que há um)? O que é a felicidade? É melhor ser feliz ou fazer o bem ou o que é certo?
Perguntas como essas são feitas em todas as épocas da história humana. E desde a antiguidade clássica dos gregos, já havia muitos modelos de respostas para elas. Uma delas é a fornecida pelo filósofo Aristóteles, famoso por sua Metafísica. Vamos nos aprofundar um pouquinho mais no que ele tem a nos dizer.
Em seu livro “Ética a Nicômaco”, Aristóteles consagrou a tão famosa ética do meio-termo. Em meio a um período de efervescência cultural, o prazer e o estudo se confrontam para disputar o lugar de melhor meio de vida. No entanto, a sobriedade de nosso filósofo o fez optar por um caminho que condene ambos os extremos, sendo, pois, os causadores dos excessos e dos vícios.
A metrética (medida) que usa o estagirita (Aristóteles era chamado assim por ter nascido em Estagira) procurava o caminho do meio entre vícios e virtudes, a fim de equilibrar a conduta do homem com o seu desenvolvimento material e espiritual. Assim, entendido que a especificidade do homem é a de ser um animal racional, a felicidade só poderia se relacionar com o total desenvolvimento dessa capacidade. A felicidade é o estado de espírito a que aspira o homem e para isso é necessário tanto bens materiais como espirituais.
Aristóteles herda o conceito de virtude ou excelência de seus antecessores, Sócrates e Platão, para os quais um homem deve ser senhor de si, isto é, ter autocontrole (autarquia). Trata-se do modo de pensar que promove o homem como senhor e mestre dos seus desejos e não escravos destes. O homem bom e virtuoso é aquele que alia inteligência e força, que utiliza adequadamente sua riqueza para aperfeiçoar seu intelecto. Não é dado às pessoas simples nem inocentes, tampouco aos bravos, porém tolos. A excelência é obtida através da repetição do comportamento, isto é, do exercício habitual do caráter que se forma desde a infância.
Segundo Aristóteles, as qualidades do caráter podem ser dispostas de modo que identifiquemos os extremos e a justa medida. Por exemplo, entre a covardia e a audácia está a coragem; entre a belicosidade e a bajulação está a amizade; entre a indolência e a ganância está a ambição e etc. É interessante notar a consciência do filósofo ao elaborar a teoria do meio-termo. Conforme ele, aquele que for inconsciente de um dos extremos, sempre acusará o outro de vício. Por exemplo, na política, o liberal é chamado de conservador e radical por aqueles que são radicais e conservadores. Isso porque os extremistas não enxergam o meio-termo.
Portanto, seguindo o famoso lema grego “Nada em excesso”, Aristóteles formula a ética da virtude baseada na busca pela felicidade, mas felicidade humana, feita de bens materiais, riquezas que ajudam o homem a se desenvolver e não se tornar mesquinho, bem como bens espirituais, como a ação (política) e a contemplação (a filosofia e a metafísica).
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

FONTE: http://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-concepcao-felicidade-na-Etica-aristotelica.htm

PLATÃO E A UNIVERSALIDADE DO VALOR

PLATÃO E A UNIVERSALIDADE DO VALOR

Platão e a universalidade do valor

Foi pensando em questões como essas, presentes no filme Ágora, que Platão escreveu o diálogo A República. Nesta obra, o filósofo grego trata da ideia de justiça e a exemplifica com um modelo perfeito: a cidade justa, lugar em que as pessoas encontrariam a felicidade, porque, segundo ele, viveriam de acordo com sua própria natureza, o que as tornaria mais aptas a fazer a escolha certa entre os valores e agir corretamente.
Mas como é possível tornar uma cidade justa e consequentemente feliz? De que modo ela deve estar organizada? Como devem agir seus cidadãos para que cada um alcance a felicidade, estando de acordo com sua própria natureza? Afinal, o que é a felicidade para o filósofo grego?
Para Platão, nós somos felizes quando vivemos de acordo com nossa natureza e não somos forçados a viver contra ela. Para garantir a felicidade de uma cidade, portanto, seria necessário possibilitar aos cidadãos o autoconhecimento, isto é, o conhecimento de sua própria natureza, com suas qualidades e suas habilidades. 
O conhecimento da natureza de cada um seria obtido pelo processo educativo. Na cidade ideal pensada por Platão, as crianças, ao nascerem, seriam entregues aos cuidados do Estado e todos receberiam a mesma educação, baseada em ginástica para bem formar o corpo e música para bem formar a alma. Na medida em que elas avançassem no processo de instrução, seriam também observadas pelos adultos, seus educadores, que deveriam reconhecer aos poucos no comportamento
de seus pupilos a natureza ou o caráter de cada um.

O temperamento da alma

Você já estudou neste livro que Platão via o ser humano como uma articulação entre corpo e alma. Para ele, a psique era o elemento que dava vida ao corpo, considerado pura matéria. Palavra oriunda do grego, psique foi traduzida para o latim como anima, aquilo que dá ânimo, o ‘sopro de vida’; é dessa palavra latina que deriva a palavra alma em português. Compreendendo a alma como esse “sopro de vida”, os povos antigos falavam em várias almas. Em alguns casos, falava-se em uma alma para cada órgão vital: o coração tinha sua alma, o pulmão, outra e o fígado, sua própria.
Isso pode nos parecer muito estranho, uma vez que em nossa cultura consideramos a alma como algo único, como aquilo que nos dá uma identidade. Mas no contexto da Antiguidade Platão afirmava que cada um de nós tem três almas distintas. Uma “alma inferior”, que se subdivide em duas, está intimamente ligada ao corpo, sendo tão mortal quanto ele; e uma “alma superior”, essa sim eterna e imutável. A alma inferior é constituída de uma alma localizada no ventre, responsável por nossos desejos e nossas paixões (Platão a denominava concupiscível, relativa à cobiça, ao desejo), e de outra, localizada no peito, responsável por nossas emoções (denominada irascível, ligada à ira, à irritação). Observe que cada uma dessas almas está relacionada com coisas que sentimos (desejos, paixões, emoções), uma vez que o corpo é a sede dos sentidos. A alma superior, segundo Platão, é a alma racional, que se localiza na cabeça e é responsável pelo pensamento.
Essas três almas têm uma relação direta com nosso comportamento, com nossa forma de agir. Todos nós pensamos e temos desejos, paixões e emoções. O que ocorre é que em cada pessoa uma dessas situações prevalece sobre as outras. Por isso, Platão afirmou que cada um de nós tem um temperamento, que é a forma como as três almas se temperam, se misturam, com uma delas predominando. 
São três os temperamentos básicos, ou caracteres básicos: 
• Caráter concupiscível: predominam os desejos, as paixões. A pessoa com esse caráter pensa, se emociona, mas sua vida é controlada pelos desejos. Quando precisa decidir alguma coisa, é a impulsividade do desejo que prevalece;
• caráter irascível: predominam as emoções. Uma pessoa com caráter irascível também deseja, pensa, mas suas decisões são tomadas com base na emoção;
• caráter racional: predomina a razão. O caráter racional não torna a pessoa fria e insensível; ela deseja, ela se emociona, mas suas decisões são sempre tomadas de forma racional, de maneira muito bem pensada e avaliada.
Segundo Platão, a condição ideal para o ser humano é o predomínio de um caráter racional, a situação em que a alma racional controla nosso corpo, não negando os desejos e as emoções, mas dosando-os, organizando-os de acordo com o pensamento e o planejamento. Ele reconhece, no entanto, que nem todos os seres humanos são assim.



ÉTICA, VALORES E ESCOLHAS

ÉTICA, VALORES E ESCOLHAS

O conceito de valor exprime uma relação entre as necessidades do individuo e a capacidade das coisas e de seus derivados, objetos ou serviços em as satisfazer. É na apreciação desta relação que se explica a existência de uma hierarquia de valores, segundo a urgência/prioridade das necessidades e a capacidade dos mesmos objetivos para as satisfazerem, diferenciadas no espaço e no tempo.