sábado, 18 de fevereiro de 2017

PLATÃO E A UNIVERSALIDADE DO VALOR

PLATÃO E A UNIVERSALIDADE DO VALOR

Platão e a universalidade do valor

Foi pensando em questões como essas, presentes no filme Ágora, que Platão escreveu o diálogo A República. Nesta obra, o filósofo grego trata da ideia de justiça e a exemplifica com um modelo perfeito: a cidade justa, lugar em que as pessoas encontrariam a felicidade, porque, segundo ele, viveriam de acordo com sua própria natureza, o que as tornaria mais aptas a fazer a escolha certa entre os valores e agir corretamente.
Mas como é possível tornar uma cidade justa e consequentemente feliz? De que modo ela deve estar organizada? Como devem agir seus cidadãos para que cada um alcance a felicidade, estando de acordo com sua própria natureza? Afinal, o que é a felicidade para o filósofo grego?
Para Platão, nós somos felizes quando vivemos de acordo com nossa natureza e não somos forçados a viver contra ela. Para garantir a felicidade de uma cidade, portanto, seria necessário possibilitar aos cidadãos o autoconhecimento, isto é, o conhecimento de sua própria natureza, com suas qualidades e suas habilidades. 
O conhecimento da natureza de cada um seria obtido pelo processo educativo. Na cidade ideal pensada por Platão, as crianças, ao nascerem, seriam entregues aos cuidados do Estado e todos receberiam a mesma educação, baseada em ginástica para bem formar o corpo e música para bem formar a alma. Na medida em que elas avançassem no processo de instrução, seriam também observadas pelos adultos, seus educadores, que deveriam reconhecer aos poucos no comportamento
de seus pupilos a natureza ou o caráter de cada um.

O temperamento da alma

Você já estudou neste livro que Platão via o ser humano como uma articulação entre corpo e alma. Para ele, a psique era o elemento que dava vida ao corpo, considerado pura matéria. Palavra oriunda do grego, psique foi traduzida para o latim como anima, aquilo que dá ânimo, o ‘sopro de vida’; é dessa palavra latina que deriva a palavra alma em português. Compreendendo a alma como esse “sopro de vida”, os povos antigos falavam em várias almas. Em alguns casos, falava-se em uma alma para cada órgão vital: o coração tinha sua alma, o pulmão, outra e o fígado, sua própria.
Isso pode nos parecer muito estranho, uma vez que em nossa cultura consideramos a alma como algo único, como aquilo que nos dá uma identidade. Mas no contexto da Antiguidade Platão afirmava que cada um de nós tem três almas distintas. Uma “alma inferior”, que se subdivide em duas, está intimamente ligada ao corpo, sendo tão mortal quanto ele; e uma “alma superior”, essa sim eterna e imutável. A alma inferior é constituída de uma alma localizada no ventre, responsável por nossos desejos e nossas paixões (Platão a denominava concupiscível, relativa à cobiça, ao desejo), e de outra, localizada no peito, responsável por nossas emoções (denominada irascível, ligada à ira, à irritação). Observe que cada uma dessas almas está relacionada com coisas que sentimos (desejos, paixões, emoções), uma vez que o corpo é a sede dos sentidos. A alma superior, segundo Platão, é a alma racional, que se localiza na cabeça e é responsável pelo pensamento.
Essas três almas têm uma relação direta com nosso comportamento, com nossa forma de agir. Todos nós pensamos e temos desejos, paixões e emoções. O que ocorre é que em cada pessoa uma dessas situações prevalece sobre as outras. Por isso, Platão afirmou que cada um de nós tem um temperamento, que é a forma como as três almas se temperam, se misturam, com uma delas predominando. 
São três os temperamentos básicos, ou caracteres básicos: 
• Caráter concupiscível: predominam os desejos, as paixões. A pessoa com esse caráter pensa, se emociona, mas sua vida é controlada pelos desejos. Quando precisa decidir alguma coisa, é a impulsividade do desejo que prevalece;
• caráter irascível: predominam as emoções. Uma pessoa com caráter irascível também deseja, pensa, mas suas decisões são tomadas com base na emoção;
• caráter racional: predomina a razão. O caráter racional não torna a pessoa fria e insensível; ela deseja, ela se emociona, mas suas decisões são sempre tomadas de forma racional, de maneira muito bem pensada e avaliada.
Segundo Platão, a condição ideal para o ser humano é o predomínio de um caráter racional, a situação em que a alma racional controla nosso corpo, não negando os desejos e as emoções, mas dosando-os, organizando-os de acordo com o pensamento e o planejamento. Ele reconhece, no entanto, que nem todos os seres humanos são assim.