segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA - INTRODUÇÃO

FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA
''VOS SOIS TODOS IRMÃOS" (Mt 23,8)


ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Os episódios de violência intensificaram-se e tornaram-se comuns também em cidades pequenas e médias, deixando de ser um fenômeno típico das grandes metrópoles. A violência direta é que chama mais a atenção. Essa forma de violência acontece quando uma pessoa usa a força contra outra. Porém, vemos crescer sempre mais as formas coletivas e organizadas da prática de violência.
A violência se caracteriza pelo uso intencional da força contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo de pessoas. Essa violência pode resultar em dano físico, sexual, psicológico ou morte. A violência não é um caso apenas reservado ao tratamento policial, à lei, mas é uma questão social que requer a atenção e a participação de toda a sociedade para ser enfrentada.

Nesta Campanha da Fraternidade desejamos refletir a realidade da violência, rezar por todos os que sofrem violência e unir as forças da comunidade para superá-la. Os índices da violência no Brasil superam significativamente os números de países que se encontram em guerra ou que são vítimas frequentes de atentados terroristas.

FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA - VER
Ao longo da década de 1990, cresceu significativamente o acesso aos equipamentos e aos serviços privados de proteção. Todavia, essa aparente proteção também aumenta, colateralmente, o isolamento. Mantém-se à distância não só o potencial inimigo, mas também o amigo.
Esse distanciamento impede o confronto necessário e benéfico com o outro, abrindo portas para o estra­nhamento e o ódio contra quem pensa ou é diferente. O "outro" converte-se, então, em mais uma ameaça à sensação individual de segurança.
Apesar de possuir menos de 3% da população mundial, nosso país responde por quase 13% dos assassina­tos no planeta. Em 2014, o Brasil chegou ao topo do ranking, considerado o número absoluto de homicídios. Foram 59.627 mortes, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (lpea)
Entre os maiores desafios contemporâneos no campo da segurança pública, em uma perspectiva de pro­moção à cidadania, está o de garantir que as políticas públicas implementadas tenham em vista o aumento da solidariedade entre as pessoas, ao invés de enclausurá-las, criando-se empecilhos ou mesmo impedindo relações interpessoais humanizadas. Não existe a possibilidade de se encaminhar uma solução sem a ampla e irrestrita participação da sociedade.
Não se compreende a violência apenas pela consideração dos atos violentos - os quais representam apenas sua face mais óbvia e mais fragmentária. Nas seções seguintes, ao invés de perceber a violência reduzida apenas ao exercício direto da força, pretende-se descrever as situações estruturais de geração e perpetuação  da violência.

A EXPERIÊNCIA COTIDIANA DA VIOLÊNCIA - No Brasil,cinco pessoas são mortas por arma de fogo a cada hora. A cada dia, são 123 pessoas assassinadas dessa forma. No ano de 2014, houve mais de 40 mil mortes. A violência direta pode ter formas sutis sem, com isso, tornar-se menos danosa. As redes sociais têm con­
tribuído para dar visibilidade à violência expressa sob a forma de preconceito ou ódio de classe, de raça, de gênero, de política e até mesmo de intolerância religiosa.
É possível suspeitar que a sociedade brasileira possa estar consolidando modos de vida cuja referência é fazer justiça com as próprias forças.
Três fatores são fundamentai s para definir esses espaços de paz e de guerra. O primeiro deles é a ação (ou omissão) do poder público. O segundo ponto que demarca a ocorrência da paz ou da guerra está re­lacionado ao poder do dinheiro. Um terceiro ponto diz respeito ao tratamento seletivo dado pelos órgãos públicos, dos três poderes, em relação à garantia de direitos, como o acesso à Justiça.

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL - A violência no Brasil está relacionada a modelos de organização e a prá­ticas sociais que alcançam um nível institucional e sistemático de produção e perpetuação de modos de vida violentos.
Vários estudos associam o aumento da violência letal - ou seja, a violência que gera morte - ocorrido na década de 1980 com a crise socioeconômica vivida naquele período. O processo inflacionário e a conse­quente corrosão dos salários implicaram perda de rendimentos principalmente para os mais pobres. Como resultado, aumentou expressivamente a desigualdade social.
A violência não parece ser redutível a uma disfunção ou mal funcionamento do aparato estatal. Mostra­-se, antes, como um processo de produção e de reprodução de desigualdades, resultante do próprio modo de funcionamento das instituições.
A desigualdade de poder acaba por implicar uma distribuição também desigual dos bens e serviços, criando círculos viciosos. Por encontrarem-se em uma situação de fragilidade, os pobres constituem as principais vítimas das mazelas econômicas por que sucessivamente passa o país.

A CULTURA DA VIOLÊNCIA - Por "violência cultural" entendem-se as condições em razão das quais uma determinada sociedade não reconhece como violência atos ou situações em que determinadas pessoas são agredidas. Criam-se processos que fazem aparecer como legítimas certas ações violentas.
Estudos feitos a partir de inquéritos policiais mostram uma grande proporção de assassinatos cometidos por impulso ou por motivos fúteis: ciúmes, desavenças entre vizinhos, desentendimentos no trânsito e ou­tras formas de conflito, nesse contexto, a reação violenta torna-se naturalizada, como se a forma passional fosse a maneira única e "normal" de reagir a uma situação conflitiva.
Entende-se que uma certa dose de violência seria, inclusive, benéfica para manter as "pessoas de bem" longe do crime e dar o "devido castigo" a quem deixou de fazer "aquilo que é certo". Diferentemente da violência direta que pode ser mais facilmente identificada e da violência estrutural da qual se veem traços mais ou menos definidos, a violência cultural pode ser mais esquiva.

A VIOLÊNCIA COMO SISTEMA NO BRASIL (A violência como parte da história do Brasil) - Desde o período colonial, foi sendo imposto um arranjo social no qual certas categorias de pessoas recebiam um tratamento melhor do que outras.
Passaram-se as décadas, mas, no Brasil, foi se instituindo apenas uma igualdade formal dos indivíduos. Mesclam-se as distinções sociais e as econôm1cas de tal forma que se forja uma sociedade altamente hie­ rarquizada - baseada em relações de mando e subordinação, ao invés de fundar-se na igualdade de direitos e na imparcial obediência às leis.
O Brasil é um país perigoso para quem atua em favor da igualdade de direitos. 66 defensores dos direitos humanos foram assassinados no Brasil em 2016. O modo violento de se viver em sociedade no Brasil se dá por causa da escolha de alguns grupos que, ao tentar manter a atual ordem estabelecida, acaba tornando alguns modelos fixos e sem alteração, nesse caso é complexo o enfrentamento da violência, pois prejudica as relações sociopolíticas.
Não há solução para a violência fora das discussões que ocorrem no âmbito da política. A corrupção é a expressão de que o dinheiro está em primeiro lugar e a dignidade das pessoas e o bem público em segundo. A corrupção trai a justiça e a ética social, compromete o funcionamento do Estado, confunde o público e o privado. Papa Francisco nos diz: "quando o dinheiro se torna um ídolo, ele comanda as escolhas do homem. Assim, o dinheiro arruína o homem e o condena a ser um escravo."

AS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:

VIOLÊNCIA RACIAL - Suposição de que exis­tam raças humanas distintas e de que umas são superiores a outras. Nessa mentalidade, o sujeito considera inferiores as pessoas que não possuem as mesmas características que ele.

VIOLÊNCIA CONTRA OS JOVENS - Entre jovens de 15 a 24 anos, os homicídios são a principal causa de morte. Dentre tais jovens vitimados, a imensa maioria era composta por negros (71,44%), majoritariamente do sexo masculino (93,03%). O assassínio de jovens é uma questão que ultrapassa os limites das políticas de segurança e a transformam em um problema de saúde pública e de civilidade. Essa violação de direitos humanos causa um imenso sofrimento nas famílias que perdem seus filhos.

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E HOMENS - 13 homicídios diários, em média -, o Brasil ocupa a quinta colocação em uma lista de 83 países. Ocorrem aqui 2,4 vezes mais homicídios de mulheres do que a média internacional. A cada três vítimas de violência, duas eram mulheres.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - 71,8% das agressões registradas pelo SUS em 2011 aconteceram no domicílio da vítima. Casos de violência são mais frequentes contra mulheres jovens. Uma em cada seis pessoas (16%) com mais de 60 anos de idade já sofreram algum tipo de abuso.

VIOLÊNCIA E NARCOTRÁFICO - O narcotráfico movimenta mais de 400 bilhões de dólares por ano, sen­do um dos setores mais lucrativos da economia mundial. Ao invés de os governos nacionais e os sistemas
internacionais de combate às drogas somarem esforços no combate à produção e distribuição das drogas,
onde se encontram os grandes traficantes, a política de repressão às drogas está seletivamente direcionada aos usuários e microtraficantes.
40% dos nove milhões de presos em todo o mundo foram aprisionados em razão do comércio e do uso de substâncias consideradas ilícitas. Perfil do encarcerado: 67% dos presos no Brasil são negros, 56% têm entre 18 e 29 anos, e 53% não completaram sequer o Ensino Fundamental. No caso do encarceramento feminino, 63% das mulheres estão presas por tráfico de drogas.

INEFICIÊNCIA DO APARATO JUDICIAL - O Brasil tem umas das maiores populações carcerárias do mundo. São mais de 650 mil presos, vivendo em condições degradantes.
Ao invés de praticar os ideais de recuperação e reintegração da pessoa apenada à sociedade, as prisões se transformam em um depósito de supostos "maus elementos" a serem reprimidos e, se possível, esque­ cidos pela sociedade.

POLÍCIA E VIOLÊNCIA - é comum que se enxergue, como única solução para o problema da violência, o aumento do policiamento e o recrudescimento das leis penais. Esta não é a solução!

RELIGIÃO E VIOLÊNCIA - A religião é um elemento de coesão social, que otimiza o capital social das comunidades. Quando as pessoas se reúnem em comunidade e na identidade de suas crenças, elas reforçam os laços que as unem e reconhecem-se como irmãos, irmãs e semelhantes. Contudo, também é possível que a experiência religiosa também se converta em uma forma de violência. No Brasil, tem sido comum a intolerância e o fanatismo religioso.