quinta-feira, 20 de abril de 2017

SCHOPENHAUER, O FILOSOFO DO PESSIMISMO

SCHOPENHAUER, 
O FILOSOFO DO PESSIMISMO

Schopenhauer, conhecido como o filosofo do pessimismo, nasceu em Dantzig, no dia 22 de fevereiro de 1788. Em 1793, com a anexação de Dantzig à Polônia, sua família mudou-se para Hamburgo, onde em 1805 seu pai veio a cometer suicídio.
Com a morte do patriarca da família, Schopenhauer e sua mãe mudaram-se para Weimar, porém o convívio entre os dois era insustentável, piorando ainda mais quando Goethe, um escritor e amigo da família veio a dizer a madame Schopenhauer que o filho se tornaria um homem muito famoso, acarretando uma briga mais séria onde sua mãe veio a empurra-lo escada abaixo, sendo que diante daquilo Schopenhauer cheio de amargor informou-a que a posteridade a conheceria somente através dele.
Schopenhauer deixou Weimar pouco depois e apesar de sua mãe ter vivido mais vinte e quatro anos, ele nunca mais a viu.
Enquanto isso, Schopenhauer passara pelo ginásio e pela universidade e aprendera mais do que o oferecido pelos currículos. Saiu de lá com uma infecção venérea que afetou seu caráter e sua filosofia. Tornou-se sombrio, cínico e desconfiado, era obcecado por temores e visões sinistras, mantinha os cachimbos trancados a cadeado, nunca entregou o pescoço à navalha de um barbeiro, dormia com pistolas carregadas ao lado da cama e não suportava barulho, ele escreve que a quantidade de ruído que alguém pode suportar sem se perturbar está na proporção inversa de sua capacidade mental e intelectual.
Ele possuía um sentido quase que paranóico de grandeza não reconhecida, não alcançando a fama e o sucesso, voltou-se para dentro de si mesmo e roía sua própria alma.
Não tinha mãe, nem esposa, nem filhos, nem país. “Estava inteiramente sozinho, sem um único amigo.”
Já em 1813 ficou tão dominado pela influência do entusiasmo de Fichte por uma guerra de liberação contra Napoleão, mas ao invés de partir para a guerra foi para o campo e escreveu uma tese de doutorado de Filosofia.
Após essa dissertação sobre A quádrupla razão do princípio de razão suficiente (1813),
Schopenhauer dedicou todo seu tempo e devotou todas suas forças ao livro que seria sua obra-prima — O Mundo Como Vontade e Representação. Enviou o manuscrito ao editor com os maiores elogios, ali, dizia ele, não estava uma simples reformulação de ideias velhas, mas sim uma altamente coerente estrutura de pensamento original, "claramente inteligível, vigorosa e não sem beleza"; um livro "que dali em diante seria a fonte e motivo para uma centena de outros livros”. Muitos anos depois Schopenhauer estava tão certo de ter dado solução aos problemas principais da Filosofia que pensou em mandar cinzelar em seu anel de sinete uma imagem da Esfinge atirando-se ao abismo como prometera fazer quando seus enigmas fossem solucionados. No entanto, o livro quase não atraiu atenção; o mundo estava pobre e exausto demais para ler o que se dizia sobre sua pobreza e exaustão. Dezesseis anos após sua publicação, Schopenhauer foi informado de que a maior parte da edição fora vendida como papel velho. Schopenhauer colocou-se tão completamente neste livro que suas obras posteriores não são senão comentários do mesmo; Em 1836 publicou um ensaio, Da Vontade na Natureza, que até certo ponto foi incorporado à edição aumentada de O Mundo Como Vontade e Representação que surgiu em 1844.
Em 1841 veio o trabalho Os Dois Problemas Básicos da Ética e em 1851 apareceram dois substanciais volumes Parerga et Paralipomena — literalmente "Acessórios e Remanescentes". Por esse último, que é a sua obra de mais fácil leitura e que é repleta de sabedoria e espírito, Schopenhauer recebeu, como remuneração total, dez exemplares grátis.
Ele tinha a esperança de ter uma oportunidade de apresentar sua filosofia em uma das grandes universidades da Alemanha, essa oportunidade apareceu em 1822, quando foi convidado a ir para Berlim como docente (privat-docent).
Ele de propósito escolheu para suas conferências as horas exatas em que o então Hegel dava suas aulas. Schopenhauer confiava em que os estudantes encarariam a ele e a Hegel com os olhos da posteridade. Mas os estudantes não podiam se antecipar tanto e Schopenhauer viu-se falando diante de cadeiras vazias.
Em 1831 espalhou-se em Berlim uma epidemia de cólera com isso schopenhauer fugiu para Frankfurt, onde passou o restante de seus setenta e dois anos.

APRESENTAÇÃO DO MUNDO COMO VONTADE E COMO REPRESENTAÇÃO:

O mundo como vontade e como representação encontra-se dividido em quatro livros.
No Livro I, Shopenhauer trabalha com as questões da teoria do conhecimento, para tal, apresenta um primeiro ponto de vista: a representação submetida ao princípio da razão suficiente (tempo, espaço, causalidade. No Livro II, o mundo, para ele, é tomado como vontade. Neste livro, investiga-se a objetivação da vontade por meio da construção de uma metafísica da natureza. No Livro III, o mundo é retomado como representação, mas agora sob um "segundo ponto de vista" independente do princípio de razão (tempo, espaço, causalidade), trata-se da ideia platônica, do objeto da arte, por meio da construção de uma metafísica do belo.
No Livro IV, o mundo é retomado como vontade, também a partir de um "segundo ponto de vista" que abandona o "princípio de razão". Nesse livro, investiga-se a prática de vida por meio da construção de uma metafísica da ética.

TRECHO DO TEXTO DE SCHOPENHAUER
“O mundo é a minha representação – Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de levá-lo a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; em uma palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio da razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objeto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma representação qualquer, abstrata ou intuitiva, racional ou empírica. Nenhuma verdade é portanto mais certa, mais absoluta, mais evidente do que está: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe. Em uma palavra, é pura representação. Esta lei aplica-se naturalmente a todo o presente, a todo o passado e a todo o futuro, àquilo que está longe, tal como aquilo que está perto de nós, visto que ela é verdadeira para o próprio tempo e o próprio espaço, graças aos quais as representações particulares se distinguem uma das outras. Tudo que o mundo encerra ou pode encerrar está nessa dependência necessária perante o sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é portanto representação.”

INTERPRETAÇÃO DO TEXTO DE SCHOPENHAUER

Tudo o que pensamos é uma representação do mundo, mas qual o significado íntimo de tais representações, qual a essência de tudo que vemos?
O mundo segundo Schopenhauer está dividido em duas esferas, tal qual uma é a representação e a outra a vontade, o mundo como representação está ligado ao mundo como vontade,  essa vontade seria um tipo de sentimento, uma essência do mundo existente em todos os seres, independentemente de serem eles possuidores ou não das faculdades cognitivas, esse mundo representativo é o mundo visível e submetido ao espaço,  ao tempo e a causalidade é um outro ponto de vista para o mundo como vontade, contudo,  são dois pontos de vista, duas perspectivas distintas de acesso ao mesmo mundo, absolutamente imanente. Já a representação, neste caso, se daria através da forma como um sujeito percebe o mundo, ela seria a expressão racional da vontade, de modo que a existência desse mundo seria inadmissível sem que houvesse esse sujeito que o percebesse, assim sendo, tudo o que existe, existe apenas para o sujeito, nosso próprio corpo enquanto percebido por outros sujeitos, passa a ser objeto, e dele se abstrai uma representação. Essa estrutura da representação é universal - visto que as condições que nos permitem representar estão presentes no cérebro. O que pode ser individual são os conteúdos intuitivos, bem como nossa reação volitiva as tais representações, pois nosso caráter é individual e único.
Segundo Schopenhauer, em vez de a razão puramente definir o homem e "apresentar todas as respostas do mundo", são o corpo e a vontade que permitem alcançar e dizer o sentido das coisas, isso se daria porque, para ele, a obtenção do conhecimento iria além da razão, principalmente por ter valorizado um componente novo nas discussões filosóficas: a noção de corpo, ou seja, o sentido das coisas se daria por meio das possibilidades volitivas de cada agente. Com isso ele acredita que a base da formação do nosso conhecimento racional não é racional, já que começa com as sensações corporais. Assim, em vez da racionalidade, agir de forma independente e única, ela torna dependente dos dados corporais.
Portanto, há dois pontos de vista para observar o mundo, sendo as duas perspectivas do sujeito, uma seria representativa e intelectiva, e a outra a partir da vontade. 
Por fim, cada ser humano tem sentimento próprio, não existe sentimento ou saber abstrato que sirva de base para todos os outros sentimentos. Porem existe dois tipos de representação as abstratas e as intuitivas, as abstratas são relacionadas à razão, são concepções, é o que é extraído da experiência do concreto para ser transformado em conceito. Já as representações intuitivas são aquelas que ocorrem no entendimento, as intelecções, ou seja, antes de demonstrar a essência de algo é necessário sentir, logo, há prioridade do intuitivo sobre o abstrato. O papel da representação nessa relação é que ela transporta a vida para o conceito, por ela é que as representações passam de intuitivas para abstratas.

Bibliografia:
SCHOPENHAUER, Arthur. As dores do mundo.
Chevitarese, L, Capítulo 1: O "pensamento único" da Metafísica da
Vontade: as questões da ética e da liberdade.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001

O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO

O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO

1. Breve síntese do mundo como vontade e representação:

Na obra “Mundo Como Vontade e Representação”, Schopenhauer mostra sua metafísica na qual o espaço e o tempo é governado pelo princípio de razão suficiente; a Vontade é apresentada como a coisa-em si; e o corpo é o objeto imediato da vontade. Podemos situar Schopenhauer entre o idealismo e o materialismo, no qual o real constitui a representação do mundo externo.
O Mundo como representação se divide em duas metades inseparáveis; o sujeito e o objeto. Nenhum dos dois pode existir nem mesmo pensar-se em si, isto é, independente um do outro. Ser sujeito é formar e ter representações; ser objeto é ser conteúdo de uma representação. Um erro básico para Schopenhauer, portanto, seria aplicar a causalidade a esse eixo sujeito/objeto. A causalidade, como todas as relações e determinações que podemos pensar, vale unicamente para aquilo que foi pensado e, na base de todas essas relações se compreende as formas comum desse “ser objeto.” As formas próprias são como em Kant as formas do espaço e tempo. No pensamento de Schopenhauer, todas as demais funções do pensar são substituídas em favor da causalidade. Schopenhauer desenvolve a distinção kantiana entre o númeno e o fenômeno, mas, por outro lado, situa-se numa posição diferenciada em termos de perspectiva. Em Kant, o fenômeno é a única realidade cognoscível para o sujeito e o númeno (realidade transcendente), é o limite do conhecimento humano. Com o interesse em desenvolver e integrar o pensamento de Kant, Schopenhauer acaba por se distanciar dele. Para Schopenhauer, o fenômeno é pura representação, ilusão (o “véu de Maya”deque fala a filosodia indiana e budista). Por outro lado, tanto para Schopenhauer como para Kant o mundo que conhecemos é o mundo dos fenômenos. O nosso conhecimento é a nossa representação do mundo, pois o objeto conhecido é o objeto como o sujeito apresenta-o a si através de formas subjetivas.
A intuição para Schopenhauer é tida aqui como a fonte única de toda experiência e por consequência fonte também de todo o conhecimento. É um erro querer encontrar nos conceitos ou em uma ciência feita de conceitos, algo mais que a expressão abstrata onde encerram nossas intuições, além disso, os filósofos que precederam a Schopenhauer, especialmente Kant, estavam errados querendo alcançar por meio de uma “pretensa intuição intelectual” o conhecimento conceitual que nos conduziria para além do conteúdo da experiência. O caminho que leva ao conhecimento da coisa-em-si não pode se dar por meio da representação. Sob este ponto de vista, dado que o espaço, tempo e causalidade não são mais que formas da nossa representação, elas não podem conter em si a essência do real; esta deve estar fora dessas formas.
Posto que toda multiplicidade só pode ser pensada no tempo e no espaço, a multiplicidade não será senão uma peculiaridade do mundo da experiênica, e o ente real haverá de constituir uma unidade sem diferenças, livre de toda multiplicidade. Sem o espaço e o tempo não se dá nenhuma existência individual; eles são como diriam os escolásticos o principium individuationis. A utilização deste princípio não pode ser confundida, contudo, com uma conclusão epistemológica, mas sim, Metafísica e Ontológica do pensamento de Schopenhauer.
Dentro da experiência possível, observa-se também um grupo de fatos que nos abrem um caminho totalmente singular para o conhecimento da coisa-em–si. O sujeito com sua capacidade cognitiva se reconhece não só como sujeito de suas representações mas, também, como sujeito do seu querer. A identidade de ambos os sujeitos resulta tão inexplicável como a identidade do mundo dos fenômenos em geral. De qualquer forma, isto é certo, a vontade, tal como se manifesta imediatamente em nossa consciência, está livre da forma da intuição a que chamamos de espaço e, embora ela esteja sujeita a forma temporal, ela está mais próxima da essência, da coisa-em-si, que qualquer outro fenômeno externo que se apresentam à nossa consciência. A vontade é, portanto, entendida como a realidade que sustenta o mundo das representações. Dizer isso é o mesmo que dizer ser possível a explicação dos fatos da experiência externa dos objetos em analogia com nossa experiência interna que possui como conteúdo a vida volitiva.
A vontade está por toda parte. Ela é como que uma raiz, um princípio primeiro do mundo que move o agir humano. Em todos os fenômenos da natureza, da vida dos astros, ao instinto dos animais e mesmo no querer consciente dos homens lá a encontramos a manifestação dessa vontade. Não somos tão livres quanto pensamos, pois, tudo o que acontece, acontece segundo a necessidade. O corpo objetiva a vontade enquanto impulso, infinito, uno e irracional e independe de qualquer individuação. Todo ato real da vontade do sujeito é o movimento de seu corpo o corpo é apenas a vontade tornada visível, é a própria vontade enquanto objeto da intuição. Assim, toda impressão exercida sobre o corpo afeta imediatamente a vontade, onde aparece, então, o prazer e a dor.
Schopenhauer teve suas idéias profundamente influenciadas pela tradição hindu dos Upanishads e pelo budismo. Schopenhauer foi o primeiro filósofo europeu que assumiu publicamente o ateísmo, entretanto, ele admirou no budismo e no próprio cristianismo seu lado ascético. Retirando-se os dogmas estas religiões tem como seu fundamento a abolição da vontade.
A filosofia de Schopenhauer reflete, em seu conteúdo, que na vida humana as dores superam os prazeres e a felicidade é inalcançável. A vida humana é má. O mundo, em sua totalidade é uma manifestação de força irracional como “vontade de vida”. Ele foi o primeiro europeu a falar do mundo como sofrimento, chamando o que nos cerca visivelmente de confusão, paixão, mal. “Todo querer se origina da necessidade, portanto, da carência, do sofrimento. A satisfação lhe põe um termo; mas para cada desejo satisfeito, dez permanecem irrealizados” (“O Mundo como Vontade e Representação” Livro III Parágrafo 38 Pág. 26). Os seres humanos são as criaturas ativas que se encontram compelidos a amar, odiar, desejar e rejeitar. Os homens possuem o conhecimento de que a natureza é irredutivelmente desse modo. Nem mesmo o suicídio limita a ação da vontade, pois ele é simplesmente uma afirmação da própria vontade. Do ponto de vista positivo é a própria dor que é a essência do mundo.
Em Schopenhauer, encontramos a idéia de que não há nenhum ‘local’ de escape da vontade na natureza, as expressões dela são vistas entorno de todo mundo. Assim os movimentos animais, o desabrochar de uma semente, a força invisível do imã, refletem aquele mesmo impulso fundamental que rege tudo e a todos. A única finalidade da vida é justamente escapar da vontade partindo do apaziguamento das paixões, evitando assim a percepção dos impulsos dolorosos que impedem o alcance do que os hindus chamam de Nirvana. As artes, especialmente a música, a mais elevada das artes, têm uma função importante neste aspecto. Elas podem fornecer um céu provisório no qual se verifica um aspecto da contemplação verdadeiramente positiva. No entanto, a única saída possível para o término do sofrimento está na extinção completa da vontade. De acordo com Schopenhauer, contudo, a vontade não se limita à uma ação voluntária de providência. Toda atividade experimentada pelo ser é incluída entre as funções fisiológicas inconscientes Esta vontade é a natureza interna de cada um que experimenta ser e pressupõe a aparência – no espaço e no tempo – do corpo. Partindo do princípio de que a vontade é uma natureza interna dos corpos como uma aparência no tempo e no espaço.
O mundo da percepção é um espetáculo de incessante mudança no qual se processa a revolução de implacáveis atividades, frutos da vontade.
Schopenhauer conclui que a realidade interna de todas as aparências materiais é a realidade final e universal de todas as coisas. A tragédia da vida surge da natureza da vontade, que incita constantemente o indivíduo para a satisfação dos seus objetivos irracionais. Assim, a vontade conduz inevitavelmente à dor, à tragédia e ao sofrimento num ciclo infinito de nascimento e morte, renascimento etc. Este ciclo de atividade da vontade só pode ser rompido finalmente numa atitude de renúncia em que a razão governa a vontade até o ponto de cessá-la.
Enquanto os filósofos das tradições anteriores à Schopenhauer buscavam em seus trabalhos render tributo à sabedoria divina, a um “arquiteto” criador de todas as coisas em sua  maior  perfeição , Schopenhauer observa o mundo em seu mistério e imperfeição generalizada. Ele chega mesmo a contrariar Leibniz entendendo que este é o pior dos mundos possíveis, e que este mundo não poderia ser mais mal sem cessar de existir. Apesar de Schopenhauer identificar a realidade fundamental do mundo como  vontade, diz ele, nós nos aproximamos da contemplação. Contemplação esta que é tarefa das artes, as quais nos fornecem o relevo provisório para a libertação miserabilidade da existência.

2.  Uma teoria do castigo em Schopenhauer:

Para Schopenhauer “a vida não admite nenhuma felicidade verdadeira”. A vida do indivíduo se resume a “esgotar uma série de grandes e pequenas infelicidades”, mesmo que cada um procure escondê-las. Aos otimistas que ignoram esta perspectiva trágica, Schopenhauer sugere levá-los aos hospitais, às prisões, entre outros palcos de dor e sofrimento explícitos. A vida se constituindo nessa absoluta tragédia, logo vem a pergunta se a decisão mais coerente não seria o suicídio. Schopenhauer responde que “o suicídio não desenlaça nada”. Só servirá para re-afirmar a supremacia da vontade. A morte é mais uma afirmação da vontade e o suicídio “é a própria imagem da nossa impotência” diante da vontade.  Resta ao homem obedecer à pura natureza, continuar preservando sua própria conservação. E no caminho da auto-conservação e preservação da espécie “há necessariamente guerra eterna entre indivíduos de todas as espécies” e o egoísmo é o princípio de toda esta guerra, segundo Schopenhauer. A vontade apegada ao corpo de quem a armazena, faz com que cada indivíduo seja o centro de tudo, capaz de “aniquilar o mundo em proveito seu”. E desse princípio que Hobbes, reconhecido por Schopenhauer, soube extrair a idéia da guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes).
Ao mesmo tempo em que todos os indivíduos humanos abrigam uma índole violenta, eles “têm um dom comum, a razão.” Esta razão diferencia os homens dos animais, que estão “reduzidos a conhecer o fato isolado.” O egoísmo guiado pela razão descobre a necessidade do contrato, da lei, do Estado. Este último não com o fim último de eliminar a inclinação humana ao conflito, mas colocar certos limites que convençam o homem da necessidade da contenção. A possibilidade do castigo é o instrumento utilizado para o convencimento. A ameaça do castigo dá motivos mais fortes para o homem não atacar e reprimir sua inclinação agressiva. O cumprimento dos contratos e das leis não são motivadas por princípios morais, nem éticos, mas pela ameaça do castigo. A punição tem eficiência na contenção de uma falta ou na sua repetição, ou seja, para que a falta, a transgressão não volte a ser cometida. Desta forma o Estado não se contrapõe ao egoísmo. Muito pelo contrário, “esse egoísmo é a única razão de ser do Estado”. O que o Estado precisa evitar são as “consequências funestas do egoísmo”, que se voltariam contra o interesse dos próprios indivíduos. Hobbes, segundo Schopenhauer soube de forma exata identificar na realização do egoísmo a origem do Estado. Junto de Hobbes, Puffendorf, Feuerbach e Sêneca, são pensadores que defendem uma teoria do castigo como instrumento fundamental para policiar o homem. Schopenhauer também argumenta sobre a punição eterna. Ela não teria eficiência como meio de coerção, pois toda e qualquer punição demanda a idéia de tempo, para fixar os termos, decretar o castigo e colocá-lo em prática, sendo que a eternidade é um conceito atemporal, ou seja, fora do tempo. Então, uma eventual punição eterna não teria efeito algum.

Bibliografia:

Schopenhauer. Arthur, O Mundo como Vontade e Representação. São Paulo: Contraponto. 2001.

SCHOPENHAUER: O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO

SCHOPENHAUER: O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO

”Nenhum objeto sem sujeito”, diz Schopenhauer, na frase que resume seu idealismo e que para ele torna todo o materialismo impossível. Schopenhauer é o melhor escritor entre os filósofos (com a exceção de Platão), e suas ideias são claras e relativamente fáceis de se entender.
Em o mundo como vontade e representação temos a origem do nosso sofrimento: a desproporção entre o que por nós é exigido e aquilo que nos é dado. Schopenhauer mostra um otimismo prático nos dizendo que podemos evitar muita dor empregando nossos talentos e dons naturais onde eles são mais necessários.
Para o filósofo, a História nos mostra a Ideia do Homem, mas não o Homem em e por si mesmo. Ele nega que o tempo crie algo realmente novo e que o fim da História seria o aperfeiçoamento supremo do ser humano. Com isso Schopenhauer descarta todas as utopias como o nazismo, que tanto sangue derramaram em busca de um suposto aperfeiçoamento do Homem.
Para Schopenhauer, a visão que temos do universo, do mundo, dos séculos passados e vindouros, faz o homem se sentir reduzido a nada, mas quando nós tomamos consciência de que todos esses mundos existem apenas na nossa representação, passamos a perceber que a grandeza do mundo repousa em nós, pois a nossa dependência do mundo é suprimida por sua dependência de nós.
O tratamento que ele dá ao suicídio é o mais humano entre os filósofos. Schopenhauer condena o ato, pois para ele o sofrimento é um meio para a supressão da vontade de vida e o conhecimento despertado para a verdadeira essência do mundo- que é o sofrimento- redime a pessoa para sempre.
A importância que Schopenhauer dá à sexualidade e ao tratamento dos animais são enormes avanços. 

***

Schopenhauer é um idealista, por isso, em sua opinião, os objetos do mundo exterior só existem em nossa mente, pois fora dela eles simplesmente desapareceriam. Essa filosofia idealista de Schopenhauer já havia sido refutada muitos séculos atrás por Santo Agostinho em seu Solilóquios. O argumento de Santo Agostinho é simples: o fundo do mar não pode ser visto, logo ele não existe?
Na verdade, Schopenahuer era uma pessoa extremamente pessimista sobre a existência da matéria, a criação do mundo e a política. Ele era adepto da gnose hindu, que é irracional, e tentou introduzir elementos orientais na filosofia ocidental. Eu falo sobre a metafísica de Schopenhauer, mas ela não é transcendente como a de São Tomás de Aquino ou Santo Agostinho, ou seja, não parte de Deus, mas é imanente, partindo do homem. Sua Metafísica propõe que o que vemos é apenas uma aparência das coisas que estão obscurecidas pelo véu de maia (filosofia Hindu). O que é importante é o homem ver e valorizar a Ideia, o que pode ser feito a partir da contemplação artística, seja em uma pintura ou ouvindo música.
O filósofo alemão era contra o socialismo e defendia uma monarquia baseada na República de Platão, com a diferença que Schopenhauer valorizava muito a poesia, ao contrário de Platão. Nada mais abominável para Schopenhauer do que uma filosofia como a de Hegel, que era feita a favor do Estado e paga por esse mesmo Estado.
A questão do suicídio para Schopenhauer é muito menos cercada de tabus do que para o Cristianismo. O suicida, para ele, quer viver, apenas se desesperando porque o mundo não é a mesma coisa que imaginada na mente dessa pessoa. O que o filósofo propõe? Simples: que o suicídio é uma tentativa inválida de nos livrarmos do sofrimento nesse mundo, porque o próprio mundo é sofrimento, e o que devemos fazer é anular a nossa vontade de viver, a única forma de podermos suportar as infelicidades que vivemos aqui. Ele sugere uma vida em que a vontade seja anulada, sugerindo que imitemos a vida dos santos católicos e sábios Hindus.
A filosofia de Schopenhauer representa a antítese do realismo moderado de São Tomás e do otimismo a respeito da criação que estão entre os fundamentos do judaísmo e do cristianismo. Para ele, a única parte que interessa no Antigo Testamento é a história da queda. O mundo para Schopenhauer, assim como para os gnósticos, é uma prisão, um lugar mau, daí sua desconfiança e ódio a respeito do judaísmo e do islã, que são religiões otimistas.
Schopenhauer é apolítico, não escrevendo nada sobre esse assunto em seus livros. Sua opinião sobre o poder da arte como libertadora do sofrimento desse mundo e como uma forma de escapar do debate político iriam influenciar o jovem Hitler; mas seria injusto culpar a filosofia de Schopenhauer pelo nazismo. 
O filósofo alemão oscila entre admiração e repulsa pelo cristianismo, especialmente sobre o catolicismo. Ele parece ter uma leve admiração pelos escolásticos espanhóis, especialmente Suaréz. Ele utiliza muito a definição escolástica de forma substancial.
Sua Metafísica é realmente profunda em muitos momentos, e eu destaco sua filosofia sobre os animais e o suicídio como sendo de especial interesse. Sua metafísica é de base platônica, mas Schopenhauer não segue Platão a respeito da opinião positiva que o filósofo grego tinha sobre as mulheres. A opinião de Schopenhauer sobre as mulheres é realmente repulsiva.

Ele demonstra sentir atração por filósofos gnósticos e panteístas como Giordano Bruno, Madame Guyon e Spinoza. Na própria continuação do Mundo Como Vontade e Representação (o Volume 2), Schopenhauer defende abertamente o gnosticismo dos primeiros séculos cristãos e se declara adepto aberto de Marcião. Marcião foi um filósofo antissemita que tentou contrapor o Antigo ao novo testamento. A teologia de marcião voltou dos subterrâneos da heresia muitas vezes ao longo dos séculos. Sua mais radical forma foi no Nazismo, que tentou separar Cristo do povo judeu. Schopenhauer defendia um antissemitismo do tipo marcionita pela sua repulsa ao Antigo Testamento. Ele declara-se adversário da filosofia otimista a respeito da criação de Clemente de Alexandria.
Como Maritain havia definido a filosofia Platônica, em Schopenhauer vemos as mesmas tendências a um dualismo psicológico, ou seja, a vontade de definir o homem como um anjo preso a uma matéria má. Na filosofia de São Tomás, o animismo, dois princípios incompletos cada um, um dos quais uma alma racional é espirtitual, e que formam uma única substância (composto humano). Na filosofia idealista, o homem é um espírito acidentalmente unido a um corpo (Espiritualismo exagerado). A alma e o corpo são duas substâncias completas cada uma(Dualismo). Ver Jacques Maritain- Introdução Geral à Filosofia.

O filósofo alemão era contrário à doutrina do livre-arbítrio, um dos principais pontos da filosofia cristã, defendida por Santo Agostinho, pela Escolástica e o Concílio de Trento contra o determinismo desesperador de Lutero. Nesse ponto Schopenhauer é um defensor do pensamento Luterano por sua opinião contrária à liberdade da vontade.
Schopenhauer foi uma tentativa de unir a gnose de Marcião dos primeiros séculos cristãos, ao gnosticismo irracional do hinduísmo. É uma filosofia que é profunda em alguns momentos, mas é pessimista pois é gnóstica, e apolítica, porque nesse ponto Schopenhauer fez questão de desprezar a política como parte de uma filosofia que desconfia das questões desse mundo, buscando somente escapar ao sofrimento e a vontade de viver.

Schopenhauer nos apresenta a sua ideia de mundo na sua extensa obra chamada O mundo como vontade de representação (1818). O mundo em Schopenhauer é vontade, e vontade se faz representação, representação é uma vontade disfarçada na individuação. É nessa dinâmica que a vida como sendo sofrimento e dor deve ser entendida, ao contrário de ser mera ofensividade.
A representação é o mundo tal como nos aparece na sua multiplicidade, porém, essa multiplicidade representativa que o homem cria, é organizada e articulada no espaço e no tempo. Surge ai dois princípios: o princípio da individuação e o de razão.
O princípio da individuação nos remete ao que Schopenhauer concebe como sendo espaço e tempo, em suas formas de individuação e multiplicidade onde os fenômenos ocorrem. Por princípio da razão, o filósofo entende o caráter explicável que nós damos aos fenômenos que se sucedem no espaço-temporal.
Ressalta importante a fazer é que a razão para Schopenhauer não é revestida do tradicionalismo filosófico socrático-cartesiano. A razão é mera ilusão; embora as representações do mundo sejam organizados pela nossa razão, a “verdade” será sempre inacessível, sendo este título reservado à vontade. Tirando a vontade, conceito central da filosofia schopenhauriana, nada existe no mundo senão fantasias.

Schopenhauer revestiu a vontade com a essencialidade metafísica, daí um dos pontos de discordância de Nietzsche. O elementar existente em toda vida é a vontade. Mas o que é a vontade? A vontade é um impulso cego presente em todos os seres vivos, ela não é acessível à razão, mas se mostra através da razão. O objetivo da vontade não é senão a satisfação, que também não é da ordem cognoscente.
Porém o mundo não permite que essa vontade seja satisfeita em sua plenitude, há obstáculos demais, de tal forma que é exatamente nesse contexto que devemos entender o mundo como sendo sofrimento e dor para Schopenhauer.
Não há nenhuma forma de satisfação da vontade em sua integridade, quando não muito um pouco de gozo, mas que tão logo dissipa no surgimento de outras necessidades. É nesse movimento incessante pela busca de satisfação, sendo ela jamais obtida de forma integral, que a vida é uma sucessão de sofrimentos com alguns pontos de prazer.
São na alternância entre sofrimento e prazer, desejos e decepções que surgem com o devir que a vontade se manifesta. A vida em total equilíbrio é impossível, a vontade é movimento constante em busca da satisfação, é o nascer e o perecer incessantemente sendo renovado. Nesse sentido, somos eternos, pois sendo vontade a essência da vida para Schopenhauer, ela é sempre sucessão infinita presente na Vida, um eterno ciclo renovável.
A vontade reside fora do campo das aparências e não habita o espaço-temporal. Somente no corpo é que podemos perceber as suas manifestações em essência, para Schopenhauer, o homem é vontade. Mas se habitamos um espaço-temporal, isto é, fora das acomodações da vontade, como ela se apresentará no mundo?

A vontade se apresenta pelas representações. Como anseio ávido, impulso básico e cego da espécie, ela se objetiva através do mundo das ideias. É por meio do princípio da individuação e da razão que a vontade usa “roupagens” múltiplas para ser-no-mundo. A representação se mostra como expressão da vontade disfarçada que disputa a matéria em um espaço-temporal.
Freud, na construção do inconsciente, apoiou-se fundamentalmente na filosofia de Schopenhauer. Nietzsche, como já dito, também se apropriou da vontade, porém, desvestida de essência e verdade, e para além de sua função cega e negativa da vida, fez da vontade a força criadora que permite ao homem fazer de si uma obra de arte ou se quebrar nela mesma: a vontade de potência.
É ingênuo atribuir a Schopenhauer o termo pessimista tal como ele costuma ser significado para nós: fazendo oposição à felicidade inventada pelos homens modernos, que tem como essência a crença em um terno estado de perfeito gozo ou a leviana idéia de que somente “pensamentos positivos” devem fazer parte do nosso itinerário.
Schopenhauer oferece nada mais que uma interpretação para a vida. Uma vida que é vontade cega num devorar-se a si mesma, sem cessar. A dor e a destruição são intrínsecas a essa vida, pois a vontade é indiferente à individuação, de tal forma que ela necessariamente acarreta o sofrimento do outro e de si. Um corpo habitado pela vontade não vê outro senão como inanimado, um meio para satisfação como qualquer objeto, decorrendo daí, tal como em Hobbes, uma natureza onde o homem é o lobo do homem.
Com essa ideia terrível de vida, Schopenhauer não está sentenciando a vida no conformismo, não está dizendo para nós fazermos guerra uns com os outros. Conhecendo essa vontade cega que reside nos subterrâneos da nossa existência, para Schopenhauer, podemos buscar formas mais satisfatórias de relacionamento com o mundo e com as outras vontades, isto é, com os outros seres vivos.

Como caminhos possíveis que Schopenhauer nos oferece para escapar do incessante devorar-se a si mesmo imposto pela vontade, há a contemplação estética e o ascetismo. O primeiro é a possibilidade do homem transcender sua percepção de mundo, libertar-se do desejo e, temporariamente, contemplando a aparência do belo, suprimir o sofrimento.
A arte, por excelência, é para Schopenhauer um meio para contemplação capaz de ofuscar a vontade. A contemplação pura da arte, descompromissada, faz o sujeito perder-se de si, ela é independente do princípio da razão e atemporal. Por meio da arte o homem pode “apagar”, momentaneamente, o mundo que é sofrimento e trazer a visão confortante da percepção artística.

A arte schopenhauriana também influenciou profundamente Nietzsche, sobretudo em O nascimento da tragédia, onde está era vista ainda em seu caráter metafísico, o que tempos depois Nietzsche eliminaria.
Interessante notar é que nessa relação inicial de mestre-discípulo, para ambos, a vontade é caos, sofrimento e contradição, porém, enquanto Schopenhauer a vontade opera negando a vida, já que a satisfação será sempre impossível, em Nietzsche ela é a própria força criadora para afirmar a vida, vontade do artista para obter a alegria no mundo aparente.
Já pelo outro caminho, pela via do ascetismo, Schopenhauer acredita que é possível, de forma mais duradoura, apaziguar a dor. Este caminho não é senão a negação da vontade. Pelas representações oriundas da vontade, o asceta faz dela uma arma contra si mesma, nega-a através de suas representações que elegem ideais como elementos mais supremos e primordiais para obtenção do gozo, e essa arquitetação se dá no plano supra-sensível. Por estar esse gozo representado no mundo das ideias, o asceta, enganando a vontade, por assim dizer, não se sabe por quanto tempo, irá desfrutar de satisfações.

A IDEIA DO BEM NO PENSAMENTO DE PLATÃO

A IDEIA DO BEM 
NO PENSAMENTO DE PLATÃO

A filosofia de Platão é a mais bela e completa que existe. O presente trabalho demonstrará que desde a criação de um universo como cópia da Ideia, passando por um mundo material que foi criado por um ato de bondade do Bem, até chegarmos ao filósofo que fará o papel de intermediário na comunicação desta obra de perfeição do universo aos homens que ainda estão presos na caverna, a filosofia platônica une a ideia do Bem à educação. O Bem está no centro do ensinamento da Paideia de Platão. Sua filosofia é uma inversão do princípio dos Sofistas para quem o homem era a medida de todas as coisas. Platão fará sua filosofia criar uma teologia verdadeira para o homem. Nela Deus é a medida de todas as coisas. O desejo de criar um homem que contemple a ordem da criação e através da educação passe a ter domínio de si mesmo representa todo o esforço e a beleza da filosofia platônica.


A filosofia de Platão possui dois temas que estão unidos: a noção de Bem e a Paideia. No pensamento platônico, conforme narrado em A República no mito da caverna, o filósofo é como o prisioneiro da caverna que conseguiu libertar-se e contemplou o mundo das Ideias. O Bem contemplado pelo filósofo também é visível no universo criado pelo deus-artífice- o Demiurgo-, que no diálogo Timeu fez um cosmos como cópia da Ideia, tendo com intermediários os Entes matemáticos e, por último, a realidade sensível. A criação é um Bem que o filósofo reconhece, só que esse mundo é um reflexo sem a perfeição do mundo das Ideias. A bondade da criação e a visão do noumenon é o que Platão pretende comunicar aos governantes e à população. Como foi dito acima, o Bem deve ser transmitido aos homens através de uma educação (Paideia) que tenha como objetivo formar uma alma bem ordenada. O tema está contido em alguns dos principais diálogos de Platão, porque esse filósofo sempre teve como missão estudar o mundo do phenomenon e do noumenon, ainda que ele pretenda que tenhamos mais atenção ao último, ele também vê no mundo físico uma ordenação criada por um ato de bondade do Demiurgo.
O filósofo é aquele vai ensinar aos homens o Bem visto no mundo das Ideias, e irá fazer com aqueles que ainda não contemplaram essa realidade passem a fixar, segundo Voegelin (Ordem e História, 2009, pág. 172),
“o olhar de sua alma no bem em si, e devem usá-lo como um paradigma para a ordenação reta da Pólis, dos cidadãos e de si mesmos para o resto de suas vidas.” A escolha deste tema é importante para um melhor entendimento de como a filosofia platônica pretendia fazer a alma e o corpo do homem serem bons como o universo é bom.  O Bem e a Paideia precisam ser estudados juntos para que a doutrina de Platão possa ser compreendida com maior profundidade. Como esse é um tema rico em possibilidades, um trabalho desse tipo pode ser de grande ajuda. “O pensar é para o Homem o passeio da alma”

O BEM

1.O Bem como o modelo do Demiurgo: O Timeu

Platão criou uma narrativa da criação que explica as causas da natureza, a alma e a forma material. O Bem é anterior a todas as coisas do Universo. Depois vem o Paradigma Inteligível. Junto a ele está o Artífice, chamado por Platão de Demiurgo. Segundo Proclo (1997, pág13),
“Platão antes dessas coisas investiga as causas principais, ou seja, a causa produtora, o paradigma e a causa final. Ele também põe um intelecto demiúrgico sobre o universo, e uma causa inteligível na qual o universo subsiste primariamente, e o Bem, que é estabelecido de maneira anterior à causa produtora na ordem do desejável.”
No diálogo Timeu, Platão elabora um mito a respeito da criação do Universo. Narrado pelo Pitagórico Timeu, o diálogo descreve como o Demiurgo criou o cosmos como uma imagem da Ideia. Timeu abre o seu discurso com estas palavras: “ tudo o que se gera necessariamente é gerado por algo: de fato, é impossível que algo se gere sem ter uma causa.” O texto do Timeu diz assim mais adiante: Na minha opinião, em primeiro lugar é preciso distinguir as seguintes coisas: o que é aquilo que é sempre e não devém e o que é aquilo que devém, sem nunca ser? Um pode ser apreendido pelo pensamento com o auxílio da razão, pois é imutável. Ao invés, o segundo é objeto da opinião acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque devém e se corrompe, não pode ser nunca. Ora, tudo aquilo que devém é inevitável que devenha por alguma causa, pois é impossível que alguma coisa devenha sem o contributo duma causa. Deste modo, o Demiurgo põe os olhos no que é imutável e que utiliza como arquétipo, quando dá a forma e as propriedades ao que cria. É inevitável que tudo aquilo que perfaz deste modo seja belo. Se, pelo contrário, pusesse os olhos naquilo que devém e tomasse como arquétipo algo deveniente, a sua obra não seria bela. ”É sobre esta estrutura de cópia que se funda a possibilidade de saber algo realmente sobre esse mundo em devir.³  Proclo (1997,pág 283) fala do Demiurgo como um paradigma com essas palavras:

“Platão, portanto, indicando essas coisas, e através delas afirmando que a posição do paradigma do Universo não está posicionado entre uma multiplicidade de naturezas eternas, mas é a mais eterna de todas elas e primeiramente eterna, chama o mundo o mais belo de fato, mas o Demiurgo o mais excelente.”

Mais adiante, Proclo (1997, pág 286) fala sobre o Paradigma:

“Platão, de fato, demonstrou que o Demiurgo olhou para um Paradigma, e esse sendo o mais excelente, o fez olhar para o mais divino deles, o qual ele disse que o Universo foi fabricado conforme o Inteligível. Mas que o universo é também vencido pela forma e verdadeiramente imita seu Paradigma é manifesto pelo que é dito agora. Porque se o mundo é uma imagem, o universo é assimilado ao Inteligível. Pois o que não é diferente mas similar, é uma imagem. Você tem então o universo sensível, a mais bela das imagens; o universo intelectual, a melhor das causas, e o universo Inteligível, o mais divino dos paradigmas.”

A ordem cósmica que revela-se aos sentidos, só pode ser reproduzida por uma História narrada. Um saber que vá além dessa história estaria em contraste com a nossa natureza humana. Passar do não-ser para o ser já é o primeiro ato de bondade de Deus. Esse mesmo Deus não é de forma alguma invejoso, pois quis que todas as coisas se tornassem ao máximo semelhantes a ele. O universo é belo, desprovido de toda imperfeição e semelhante ao Artífice. O Demiurgo então criou o corpo do Cosmos juntando elementos como a água, o ar, a terra e o fogo, e unindo estes elementos em uma proporção certa, tornou-o imune à velhice e às doenças. A figura que melhor se adequou a esse corpo foi a esférica, com uma revolução em torno de si mesmo e com rotação circular. Este mundo criado não tinha necessidade de nenhum outro órgão. Na sequência do diálogo, o Demiurgo cria a alma antes do corpo, pois o elemento mais velho não pode estar submetido ao mais novo. O Artífice viu que a sua criação era boa, uma vez que a alma era eterna, tentou adaptá-la ao mundo, porém, viu que era impossível. Fez, então, uma eternidade una e imóvel que é o tempo que progride segundo a lei dos números. Criando os planetas e um Sol que nos ilumina, Deus fez os seres humanos participarem do Número.

1.2.A criação do mundo sensível.

Platão diz que no início havia elementos de água, ar, fogo e terra, porém sem qualquer equilíbrio. Elas se encontravam sem razão e sem medida. Quando o Demiurgo começou a organizar o universo, esses elementos já tinham forma própria, mas se achavam em uma condição em que era natural que estivessem porque Deus estava ausente. A tarefa do Demiurgo era, portanto, levar tal massa informe da desordem à ordem. Segundo Reale “Deus os produz e os constitui, de modo belo e bom, operando por meio de formas números.” O mundo corporal nasce de uma combinação entre necessidade e de inteligência. De acordo com o texto de Reale, Platão criou as seguintes analogias para descrever a matéria:
Necessidade, causa errante, receptáculo que tudo gera, aquilo em que se gera o que se gera, potência que não se esgota ao receber várias coisas que recebe; natureza sempre idêntica a si mesma no seu fundamento; realidade amorfa; realidade participante de modo complexo do inteligível; realidade difícil de compreender, obscura e incompreensível; realidade em si invisível, mas visível nas suas várias manifestações; realidade comparável a uma nutriz, a uma mãe, ao material de impressão, ao ouro plasmável, ao material mole modelável de várias maneiras e a líquido inodoro que recebe os vários odores.
Segundo Proclo (1997, pág 14), a natureza corpórea é produzida com Formas, e dividida por números divinos; a alma é também produzida pelo Demiurgo e é preenchida com raciocínios harmônicos, e com símbolos divinos e demiúrgicos.”
O corpo também possui dignidade por causa da iluminação da alma. De acordo com Proclo (1997, pág 617),
“a alma subsiste com proporções harmônicas e o Todo da natureza corporal formada está em amizade com ela através da analogia, que é harmoniosamente composta. Nenhum laço pode ser mais belo, divino e perpétuo, pois apesar da alma ter sido gerada antes do corpo, Platão concedeu a este a essência, a harmonia, a figura, a potência e o movimento. O Demiurgo quando colocou o Intelecto na alma e a alma no corpo, criou o Universo.”

1.3.A Terra e seus elementos geométricos

O Demiurgo criou o mundo inspirado pelo modelo ideal eterno. Conforme foi estabelecido por Platão acima, aos elementos que formam o universo, como a água, o fogo, o ar e a terra, ele os associou a elementos geométricos como o tetraedro (fogo), o hexaedro (terra), o octaedro (ar), o dodecaedro (modelo dos cosmos) e o icosaedro(água).
Na República, Platão vai fazer o filósofo ensinar ao povo que deve-se estudar primeiro àquelas coisas que estão no alto. A geometria fará parte da Paideia que será ensinada na Pólis. Esta disciplina será ensinada junto com a astronomia e a estereometria. A ciência deve começar estudando o que está no céu. Sócrates diz que a geometria nos faz estudar as coisas celestes. Ela promove a contemplação e faz parte de um programa de estudos que têm como objetivo fazer a alma mirar o Ser e o invisível, sem o qual a educação não faz sentido.

1.4.O Poder do Demiurgo

Segundo esta passagem do Timeu, “o Demiurgo produz o bem ao ordenar o caos dos elementos originais, quando realiza o Bem e o melhor e produz o que é belíssimo. ”Platão define isso no diálogo que querer fazer o bem é tornar as coisas ordenadas. Ainda no Timeu, o filósofo grego diz que a ciência e a potência de Deus consiste em misturar os muitos em um. O Deus-Artífice platônico construiu um universo a partir de uma desordem e de sua ação produziu-se o Bem. Em uma passagem do mesmo diálogo, Platão diz que “Deus possui de maneira adequada a ciência e, ao mesmo tempo, a potência para misturar muitas coisas na unidade e de novo dissolvê-las da unidade em muitas coisas. Mas não há nenhum dos homens que saiba fazer nem uma coisa nem outra, nem haverá no futuro.” O homem pode contemplar a Criação e tentar, segundo Reale (2009, pág 530), “imitar nesse mundo imagens da Ideia através da técnica e da arte”.  O homem que primeiro vai fazer essa contemplação do Mundo das Ideias e transmiti-las aos outros homens é o filósofo. Isso se dará no diálogo A República.

2.O Filósofo contempla o Bem: A República

Sócrates torna-se a figura central que vai expor a doutrina platônica da contemplação do Bem e da Ideia. Em um determinado momento do diálogo, Glauco, ansioso, pergunta a Sócrates sobre como ele crê que o homem possa conhecer o Bem. Sócrates, então, esclarece que existem coisas do mundo visível que são múltiplas, enquanto a cada uma delas corresponde uma ideia que é única, que chamamos a sua essência. As primeiras diremos que são visíveis, mas não inteligíveis, e de outra forma diremos que as Ideias são inteligíveis, porém, não visíveis.
Sócrates então pergunta por que meio vemos aquilo que é visível, e ouve como resposta que é por meio da visão. Ora, o homem percebe os objetos pela visão por causa da luz, e essa luz tem como causa o fato dela ser gerada por um deus do céu. Esse deus é o Sol. Ele é o filho do Bem na ordem da criação platônica. O homem, segundo Damáscio (apud Proclo, pág 326), ao “aproximar-se do imenso princípio deve contemplá-lo em um silêncio místico.”
O diálogo prossegue. Sócrates explica que quando nossos olhos são iluminados pela luz do Sol, nossa alma passa a ser iluminada pela verdade do Ser ela compreende e conhece. Entretanto, se ela se fixa em objetos na qual se misturam as trevas da noite, ela passa a ter meras opiniões sobre aquilo que nasce e morre. A visão e a luz não podem ser igualadas ao Sol, da mesma forma que a ciência e a verdade ainda que se assemelhem ao bem, elas não são o Bem em si mesmo. Segundo Eric Voegelin (2009, pág 173), “essas são as proposições referentes ao sol que servem como analogon para tornar inteligível o papel do Agathon no domínio noético (noetos topos). ”Prossegue Voegelin dizendo que “ o Agathon não é nem intelecto (nous), nem seu objeto (nooumenon), mas aquilo que dá aos objetos do conhecimento a sua verdade  e ao conhecedor o poder de conhecer.”

No Timeu, Platão já havia falado sobre a visão com essas palavras:
“em meu entender, a visão foi gerada como causa de maior utilidade para nós, visto que nenhum dos discursos que temos vindo a fazer sobre o universo poderia de algum modo ser proferido sem termos visto os astros, o Sol e o céu. Foi o fato de vermos o dia e a noite, os meses, os circuitos dos anos, os equinócios e os solstícios que deu origem aos números que nos proporcionaram a noção de tempo e a investigação sobre a natureza do universo. A partir deles foi-nos aberto o caminho da filosofia, um bem maior do que qualquer outro que veio ou possa vir alguma vez para a espécie mortal, oferecido pelos deuses. Por que razão havemos de celebrar os outros que são inferiores a estes, pelos quais só um não-filósofo choraria, se ficasse cego, com lamentos em vão?”
Começa agora o Mito da Caverna. Sócrates quer que imaginemos um grupo de prisioneiros algemados pelas pernas e pescoço. Eles só podem olhar para a parede da caverna e nunca para a sua entrada. Na parede da caverna são refletidas imagens de homens e animais. Essas não passam de sombras de objetos reais de fora da caverna, mas aqueles prisioneiros não sabem disto. Imaginemos então que um dos prisioneiros conseguisse sair da caverna. A primeira coisa que lhe aconteceria é que seus olhos não estariam acostumados à luz do sol. O que ele teria que fazer seria primeiro olhar para as sombras dos objetos, depois para os homens e animais e, por último, para as estrelas e a lua no céu. Depois que ele conseguisse fazer isto, a contemplação do Sol seria possível.

2.1.O Filósofo desce à caverna

Após ter contemplado o Mundo das Ideias, o prisioneiro que se libertou (que é a imagem do filósofo), tem vontade de ficar fora da caverna para sempre, já que a realidade da mesma não mais o atrai. Porém, este homem deve descer novamente à caverna e ensinar aos que ainda não contemplaram a verdade o que ele viu. Não é uma tarefa simples, pois envolve o risco dele ser mal interpretado. Mas ele tem que começar a ensinar aos seus companheiros o seu programa da Paideia. A caverna é uma imagem da Pólis, e esta na concepção de Platão “tem o direito de exigir o sacrifício do filósofo porque ela lhe proporcionou educação que deve habilitá-los a unir a Pólis.” O filósofo viu o Agathon, e a “Pólis sob seu comando será governada com uma mente desperta (hypar) em vez de ser conduzida, como a maioria das Pólis de hoje, obscuramente como num sonho (onar).

3.O Eros como o amor pelo Bem: O Banquete

Este divertido diálogo tem como o tema principal uma discussão sobre o Eros. Vários são os participantes do banquete, mas o que nos interessa é o discurso do Sócrates. Vamos a ele. Sócrates define primeiramente Eros como o desejo indefinido daquilo que nos falta. Sócrates faz o outro participante do diálogo, Agaton, lembrar-se do que havia dito em seu discurso de que Eros é carente do belo. Questionado por Sócrates, Agaton confirma que Eros é carente do belo e que o belo é o bem. Neste momento do diálogo, Sócrates interrompe a conversa com Agaton para relembrar-se de um diálogo que teve com a sacerdotisa Diotima. Essa lhe fez perguntas na ocasião sobre Eros, e Sócrates a responde que Eros era belo e que pendia ao bem. Diotima diz, contrariamente a Sócrates, que Eros não é belo nem bom. Ora, o não-belo não quer dizer que Eros é feio, esclarece Diotima. Mais adiante, Diotima faz Sócrates reconhecer que Eros deseja o bem e o belo, que são coisas que lhe faltam. Eros está entre o mortal e o imortal. Ele é um daimon, que é um intérprete e mensageiro. Ele leva aos deuses os assuntos humanos e aos humanos ele traz mensagens divinas. Leva preces e sacrifícios e traz respostas aos sacrifícios. Diotima diz que Deus e o homem não se misturam, mas que é através de Eros que este contato é possível. Mais adiante, Diotima conta a mitologia de Eros, que é filho de Penúria e Caminho. Ele é carente de beleza, mas herdou do pai o pendor por coisas belas e boas. Ele ocupa o meio termo entre o saber e a ignorância. Deus não filosofa, pois já sabe de tudo. Os ignorantes não filosofam nem desejam ser sábios. Os ignorantes não filosofam uma vez que não sentem que lhe falta alguma coisa. Sócrates então questiona Diotima sobre quem filosofa. Ela o responde: quem se encontra no meio entre o saber e a ignorância. Eros é um deles. Eros é a posse perpétua do bem. Segundo Jaeger (1995, pág 740), “ o Eros socrático é o anseio de quem se sabe imperfeito por se formar espiritualmente a si próprio, com os olhos sempre fitos na Ideia. É, em rigor, o que Platão entende por filosofia: a aspiração de conseguir modelar dentro do homem o verdadeiro Homem.” Agora surge, por fim, o papel do educador. Para terminar esse capítulo, uma citação de Voegelin faz-se necessária:


“Apontamos antes que permanece um mistério o modo como o homem, na dimensão temporal do ser (thnetos de Platão), pode experimentar o eterno. Há, então, a necessidade de um mediador que interprete e diga aos deuses o que está acontecendo entre os homens, a aos homens o que está acontecendo entre os deuses. O papel de mediador é atribuído por Platão a um espírito muito poderoso, pois todo o reino do espiritual (pan to daimonion) jaz entre (metaxo) Deus e o homem. Este espírito (daimon) deve misturar, pela força de sua posição de intermediário, o que não se mistura, à medida que está em confronto objetivo, e os dois polos ele há de fundir num grande todo. O simbolismo discretamente aponta para o cerne da matéria: é o homem que não é simplesmente thnetos, mas experimenta em si mesmo a tensão para o ser divino e, então, está entre o humano e o divino. Quem quer que tenha esta experiência se eleva acima do mortal e se torna um homem espiritual, o daimonios aner.”

ÉTICA DE PLATÃO E ARISTÓTELES: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

ÉTICA DE PLATÃO E ARISTÓTELES: 
DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

Podemos perceber convergências e divergências entre a Ética de Platão e a Ética de Aristóteles. Neste texto, procuramos expor as principais diferenças e semelhanças.

A ÉTICA DE PLATÃO

Platão propõe uma ética transcendente, dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo inteligível. O filósofo centra suas indagações na Ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens tem seus valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social.
O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o conhecimento das aparências. Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser e conhecer a verdade das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da Ideia Suprema: o Bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a esta.
O Bem ilumina o ser com verdade, permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite que sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito da caverna. Existem diversas ideias e é devido à participação nestas, mesmo que enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao contemplar a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações devem ser pautadas conforme a ideia contemplada.

A alma humana – de suma relevância para a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela irascibilidade e pela concuspiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada uma das partes da alma possui suas funções específicas que não podem ser exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e, por analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode ser executada com excelência ou não, e, ao executá-la com excelência, sua virtude própria é exercida.
A virtude é definida, pois, como capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiro e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe, pode-se definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria também concebido como princípio de equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o liga ao conceito de virtude.
O sentimento de justiça é, pois, a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta virtude seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao bem individual quanto social.

A ética platônica ocupa-se com o correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o discurso ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona esta com o conceito de justiça. O problema da justiça enquadra-se no âmbito político, o qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a constituição da cidade ideal, surge o problema cerne acerca da definição da justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no indivíduo quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a fim de que se encontre a definição de justiça.
Para Platão, a sociedade seria como algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários elementos independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já apontamos, e cada classe possui sua função específica. Deve-se notar que tais funções são determinadas conforme as aptidões naturais de cada membro da cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo na alma humana. A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas virtudes, de suas aptidões específicas.
Devemos ter em mente que a virtude correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve ser ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no método dialético ascendente, o qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem. Após contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe propiciou educação de modo a guiar os outros cidadãos da ignorância ao conhecimento racional.
As ideias – das quais se originam as cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades universais, eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem seguidos, são paradigmas para a construção da cidade ideal e para a educação moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos.
Fica evidente que a proposta de Platão liga-se, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem – este último é o supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à conduta individual. O equilíbrio entre as três partes componentes da alma e da cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as Ideias. Como veremos adiante, tal busca é oposta à busca aristotélica pela virtude ligada à aplicabilidade desta.

A ÉTICA DE ARISTÓTELES

A ética aristotélica, em oposição à ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social. As exigências com relação à vida na polis e a realidade do homem formam o conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos valores, pela moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria ética era realista, empirista em contrapartida à visão idealista e racionalista de Platão.
A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o estudo da natureza da virtude moral.


A virtude é definida pelo Estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal.

A virtude moral é consistida por uma mediedade relativa a nós e o filósofo define- a como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que a disposição está de acordo com a reta razão. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. O Estagirita, em contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel importante dos sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é responsável na formação das virtudes, quando em conformidade com a parte racional.
O que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.
Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em receber tais virtudes e esta capacidade em recebê-las é aperfeiçoada pelo hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso.
Neste ponto da exposição aristotélica, podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta para a diferença entre as concepções idealistas/racionalistas apresentadas por Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo peripatético. Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e conhecimento, de modo que conhecer a essência da Justiça implicaria em ser justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da ideia do Bem seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de conhecimento teórico, conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que a razão não é a única a atuar na determinação da boa conduta, devendo-se levar em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato de que as virtudes implicam uma atividade racional.


Como vimos, as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas – como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz por ignorância, pois o mal é a ausência do bem. Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual diverge da noção platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível, com excelência para exercer sua respectiva virtude.
Ao propor a mediania como gênero de virtude moral, como regra moral, o Estagirita retornou à sabedoria grega clássica, porque esta indicava a mediania como a regra de ouro do agir moral. A mediania tem o aspecto de não silenciar as emoções, mas buscar a proporção e, devido a essa proporção, a ação será adequada sob a perspectiva moral e, concomitantemente, a ação ficará ligada às emoções e paixões – contrariamente à doutrina platônica, na qual a ação moral tem uma relação intrínseca com a contemplação do Bem. De acordo com Aristóteles, a posição de meio é o que tem a mesma distância de cada um dos extremos. Com relação a nós e sempre considerando nesse viés, meio é o que não excede nem falta. Aqui fica evidente que o “meio” se dá em relação ao agente, pois não é válido para todos.


A virtude moral deve possuir a qualidade de visar o meio-termo por se relacionar com as paixões e ações. Nas ações e paixões, por sua vez, existem a carência, o excesso e o meio-termo. As ações e os apetites não tem, em sua natureza, algo que determine sua tendência para a falta ou para o excesso. Por sua vez, a tendência à mediania expressa a virtude moral, expressa a excelência da faculdade desiderativa da alma. O que nos faz tender à mediania é a educação e a repetição de atos bons e nobres. Por conseguinte, o hábito é desenvolvido e visa a mediania. Esta, por sua vez, é determinada segundo um princípio racional. Pode-se notar que, para Aristóteles, a virtude é uma espécie de mediania já que visa o meio-termo e que é vista como disposição de caráter que tem relação com a escolha dos atos e das paixões. A justa-medida é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. Assim, ao buscar pela essência da virtude, por sua definição, Aristóteles define-a como mediania.
O Estagirita afirma que sua investigação acerca da virtude não é de cunho exclusivamente teórico, como a realizada por Platão, mas a investigação se dá com a finalidade de que os homens tornem-se bons – pois cabe à mesma ciência, ou seja, à Ciência Política, tanto o conhecimento das virtudes quanto a função de fazer com que os homens se tornem bons. Logo, busca-se a definição de virtude e sua aplicação nos fatos particulares.
A virtude é um meio-termo entre dois vícios. Um desses vícios envolve o excesso e o outro vício envolve a carência. Logo, cabe à virtude e à sua natureza visar a mediania tanto nas ações – embora algumas ações não permitam um meio-termo por seus próprios nomes já implicarem, em si mesmos, maldade – quanto nas paixões. Um dos extremos – entre os quais a mediania se localiza – é mais equivocado que o outro. Deve-se, portanto, estar atento aos erros para os quais tem-se maior facilidade para ser arrastado. Pode-se saber para qual erro se é arrastado ao se analisar o prazer e o sofrimento acarretado pelo mesmo. Ao descobrir para qual erro se tende mais, deve-se ir em direção oposta, ao outro extremo para que se chegue ao estado intermediário e, consequentemente, afastar-se do erro.
Em todas as coisas, o meio-termo é digno de ser louvado. Contudo, ora deve-se inclinar no sentido do excesso, ora da falta com a finalidade de se chegar mais facilmente ao que é correto e ao meio-termo.

Ao longo das exposições acerca das perspectivas éticas de Platão e Aristóteles, podemos perceber convergências e divergências, sendo que estas foram explicitadas de modo geral.