O SER EXISTENTE
ÉTICA E POLÍTICA EM
PLATÃO
O
problema para qual desde o primeiro instante orienta-se o pensamento de Platão
é o Estado Justo. Tal problema político envolve dois elementos; a polis e o
homem. A polis tem uma implicação coletiva; já o homem tem uma implicação de
indivíduo. Platão parte do homem como indivíduo para construir uma polis
justa[1]. A partir dessa perspectiva inicia uma análise do indivíduo, mais
necessariamente sobre a alma. No livro IV da República, Platão tem como objeto
analisar e mostrar a sua teoria da alma. Platão parte do menor para o maior;
parte da alma (indivíduo) para chegar a polis (coletividade). Para Platão a
justiça não está na polis primeiramente, mas sim na alma do homem. A ética
situa-se acima de todas as normas humanas e remonta até a sua origem na própria
alma; a ética tem que ser inerente à alma; ou seja, é na “alma do homem que
esta o protótipo de Estado platônico” [2]
A
alma não é uma unidade simples, pelo contrário ela é múltipla diante da função
que realiza. Em definição, Platão conceitua três funções da alma na região do
corpo denominada de “faculdades da alma”. A alma concupiscente deseja aquilo
que é perecível que pode destruí-la sem que ela perceba. Trata-se da faculdade
apelativa ou irracional situada no baixo ventre sempre insatisfeita procura novos
objetos de prazer e termina com a morte do corpo. A alma colérica ou irascível
deseja fama, honra e glória também pode destruir a vida. Se coloca contra
aquilo que possa ameaçar a segurança do corpo e da vida, causando dor e
sofrimento, está localizada acima do diafragma do peito, isto é no coração. A
alma irascível equivocadamente obtêm uma boa opinião das coisas alheias, é
irracional e mortal.
A
alma racional é a faculdade de conhecimento, é espiritual e imortal sede do
pensamento situa-se na cabeça. Essa faculdade superior conhece o bem e o mal.
Os bens perecíveis não são do seu agrado, mas tem por natureza a busca da
verdade da essência das coisas. A faculdade racional tem a capacidade de impor
limites e medidas as outras duas faculdades. Esta função da alma racional é
denominada de “moderação” que deve ser imposta aos desejos das outras duas
faculdades para que o indivíduo alcance a ética. Desta forma quem não exerce a
razão não conhece a virtude e não pode ser virtuoso; assim a vida ética
dependera da alma racional. A tarefa da alma racional e dominar as outras duas
faculdades e harmoniza-las com a razão.
Nesta
perspectiva platônica a “Ética é uma organização funcional dentro da alma
humana”. Ao analisar veremos que a ética e a política tem uma relação visceral,
em que a organização política da polis está fundamentada na alma do indivíduo.
Nesta concepção platônica a política é construída sobre a concepção ética da
alma. Platão considera as formas de governos como expressão de diversas atitude
e formas humanas; como enfatiza Werner Jaeger “O estado de Platão versa em
última análise, sobre a alma humana” [3]. A ética de Platão na República está
relacionada coma alma; e a alma por sua vez a psicologia moral[4]. O que se
entende até aqui é que a ética de Platão na República está relacionada com a
alma e a psicologia moral.
Através
deste exame ético da alma do indivíduo Platão se reporta para a polis,
construindo um ideal político. Mas como identificar a ética e a política na
cidade? A cidade ética, diz Platão (República, 435e), é quando nela existem
três espécies de natureza: uma temperante, uma corajosa e uma sábia, assim as
três partes da alma convergem para a mesma direção; a justiça não é, portanto
algo que se restringe às ações externas dos homens, mas diz respeito a seu
interior: “Aquilo que é verdadeiramente dele e lhe pertence”.
Assim
como o homem possui três almas ou três faculdades assim também a polis possui
três classes sociais: a classe dos agricultores, comerciante e artesões os
quais têm uma sensibilidade grosseira e por isso devem cuidar da subsistência
da cidade. A classe dos guerreiros: nesta classe a virtude e coragem são
essenciais para os guerreiros constituírem a guarda do Estado e cuidar da
defesa da cidade. Em terceiro a classe dos magistrados: que estão encarregados
de fazer as leis e aplicarem na cidade, promover e manter a justiça, são
portadores do conhecimento puro que é a fonte de toda verdade. Esta justiça
racional será personificada na figura do rei-filósofo e por filosofia Platão
entende a racionalidade.
Esta
hierarquia se constitui uma organização que caracteriza por uma divisão
funcional das castas em que cada indivíduo exerça uma função na sociedade,
função a qual por natureza foi mais dotado. A política hierárquica é caracterizada
na polis pela boa administração e organização. Desta forma compreende-se a
relação de ética e política na República de Platão. Pois uma vez que a ética é
uma organização funcional dentro da alma humana, em que a alma racional domina
as outras duas faculdades criando equilibro e harmonia. A política por outro
lado é a organização harmoniosa entre os indivíduos das castas, em que os
dirigentes portadores da mais alta racionalidade governa a cidade segundo a
justiça, em que a razão domina a coragem e a concupiscência. Sendo assim o
Estado político de Platão tem a mesma relação da ética da alma, em que a cidade
justa é aquela em que o filósofo governa os guerreiros defendem, e os demais
provêm a subsistência da cidade.
Observamos
que a ética platônica provém de uma organização funcional da alma humana, a
qual Platão fundamenta sua teoria política. Esta relação do homem com a polis
se da através de uma relação de disciplina para assegurar a vida ética,
política e coesa da pólis. A partir desta relação entre ética e política
fundamenta a identidade do indivíduo com a pólis. Platão no âmbito político se
orienta pela interioridade ética do indivíduo de tal forma que a vivência
humana se torna indivisível da polis[5]. Sobre esse prisma o indivíduo é
entendido como um Estado em proporções menores que também se constituiria de
três ordens.
Existe
no indivíduo o princípio racional que representa o papel dos guardiões na
cidade da alma; o elemento impetuoso que corretamente empregado, e a ajuda da
sabedoria tal como os auxiliares são assistentes dos governantes, e ambos devem
uma vez educados, dominar a massa dos desejos que formam a parte apetitiva da
alma e infundir no homem uma temperança total, pois a justiça individual toma
lugar quando todas as faculdades trabalham em harmonia umas com as outras.
Quando a sabedoria governa, o homem estará em paz consigo mesmo. Em suma; a
política é o governo exercido com sabedoria em harmonia entre as castas por um
filósofo; e a ética e o conhecimento do Bem e o conhecimento da verdade da
própria alma que têm como conseqüência à possibilidade de um modelo político
justo.
NOTAS
[1]
IV. Tem sido objeto de acesa discussão saber até onde Platão aceitava esta
identidade e se para ele, o ponto de partida era da cidade para o indivíduo ou
do indivíduo para a cidade apesar de a ordem seguida na República ser a
primeira, supomos, como Cross e Woozley, op., p I3I, que era a segunda que
tinha em mente. PLATÃO. A República. 9ºed. Editora Fundação Caloustre. 1949.
pg. XXIV.
[2]
Ibid, pg. 760.
[3]
JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego. São Paulo. Ed. Martins
Fontes. 4º ed.2003. pg.,752.
[4]
“O intérprete neoplatônico Porfírio sublinhou acertadamente que a teoria das
partes da alma em Platão não é psicologia no sentido corrente, mas sim
psicologia do sentido moral”. [4] JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem
grego. São Paulo. Ed. Martins Fontes. 4º ed.2003. pg.,753.
[5]
“A republica platônica, não tem outra função senão apresentar-se nos a imagem
reflexa ampliada da alma e da sua estrutura respectiva na polis” JAEGER,
Werner. Paidéia: A formação do homem grego. São Paulo. Ed. Martins Fontes.4º
ed.2003. pg.,751.
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