sábado, 18 de fevereiro de 2017

POR QUE E COMO AGIMOS? UNIDADE 3


Por que e como agimos?

Para Platão e Aristóteles, o motivo de nossas ações diz respeito à ideia de razão e felicidade. Autoconhecimento, prudência e até mesmo uma organização política racional da polis, que propicie aos cidadãos condições favoráveis ao agir racional, são alguns elementos fundamentais para a vida em comunidade.
Logo em seguida, durante o período helenístico (séculos IV a.C.-II d.C.) e a consolidação e o apogeu de Roma (séculos III a.C.-II d.C.), cínicos, estoicos e epicuristas, herdeiros da filosofia grega, reorientaram as reflexões sobre o agir para o âmbito da vida pessoal e cotidiana, o que gerou novas respostas a essa questão.
Essas reflexões ecoaram na modernidade. Filósofos como Kant, Nietzsche e Sartre repensaram a ação humana em um contexto cultural e político bem distinto.
Atentos a esse debate histórico, Foucault, Hadot, Singer e Onfray também contribuíram de forma original, partindo de temas acerca da sexualidade, da história, do hedonismo, etc.
Questões como esta – e muitas outras! – constituem o campo da ética, uma área da filosofia que estuda as ações humanas e os valores que orientam e motivam o agir coletivo e individual. Tudo isso é o que estudaremos nesta unidade.





Colocando o problema

O filme Ágora discute uma questão filosófica inquietante. No século III d.C., em Alexandria, capital do Egito e possessão do Império Romano, o legado da cultura grega e o cristianismo em suas diversas formas ainda não oficializadas pelo Estado romano dividem a opinião pública de modo conflituoso.
Por um lado, junto à grandiosa biblioteca de Alexandria, onde se encontravam as principais obras da Antiguidade, Davus, o fiel escravo da filósofa e astrônoma Hipátia, vive a serviço das pesquisas astronômicas de sua ama e de suas aulas de filosofia aos filhos da aristocracia política da cidade; por outro, ele se identifica com o pensamento cristão na palavra de seus seguidores: os pregadores de rua, os escravos e os despossuídos, que se opõem à supremacia política, econômica, moral e cultural dos costumes e dos saberes não cristãos.

Após o conflito culminar com a destruição da biblioteca de Alexandria pelos cristãos, que a consideravam um símbolo pagão e profano, a influência cristã se torna preponderante sobre o modo de vida da cidade. Hipátia, contrária ao pensamento dogmático e aos costumes austeros recém-impostos, resiste dando prosseguimento às suas pesquisas e intervindo nos debates políticos sobre o
rumo de Alexandria.
Agora liberto, Davus se vê dividido, pois entende que a ascensão da nova ordem, além de uma promessa de justiça social, deu-lhe a liberdade. Mas também percebe que os novos valores cristãos oprimem a liberdade de expressão, como ocorre com Hipátia. Considerado imoral e profano pelos líderes religiosos e políticos da cidade, o comportamento da filósofa, contestador e crítico, põe em risco um acordo de paz prestes a ser selado entre cristãos e antigas lideranças locais recém-convertidas ao cristianismo. Ao final, a insubmissão aos novos valores e a oposição política custou a vida da filósofa que o escravo tanto amava.
Ora, a questão que se pode levantar aqui é: como pode uma pessoa ser condenada pelo seu modo de pensar e agir? De outra maneira: sobre quais valores e critérios se baseiam as leis e os costumes para que se possa julgar uma ação como certa ou errada, transgressora ou não, prejudicial ou não à vida em sociedade?
No filme Ágora, o escravo Davus personifica um conflito de valores: por um lado, quer defender a filósofa, que conhece, ama e respeita; por outro lado, vê-se atraído por essa nova ordem social que se constrói.
Essa situação hipotética, que é muito bem explorada no filme de ação, recoloca um problema que a filosofia tem enfrentado, de diferentes formas, desde a Antiguidade. Se os humanos são seres de ação, que constroem suas vidas de modo individual e de modo coletivo, o que move nossos atos? Por que agimos? Como agimos? Com base em que decidimos o que vamos fazer?
Para responder a essa questão, a filosofia parte da noção de valor. Quando temos que decidir entre uma opção e outra, entre duas ou mais possibilidades, nós avaliamos, isto é, comparamos os prós e os contras de cada possibilidade e atribuímos diferentes valores a cada uma delas.
Então, escolhemos aquela que nos parece mais apropriada nas circunstâncias analisadas; ou, dizendo de outra forma, escolhemos aquela que nos parece ter mais valor. Ficamos, assim, com outra interrogação: o que é o valor? Ele é sempre o mesmo? Ou muda de acordo com o tempo?